A mostra se inicia, do lado de fora das salas de exposição, com uma linha do tempo que apresenta o contexto histórico desde o final dos anos 1950 até 1985 em cada país da América Latina e os Estados Unidos. Os eventos apresentados focam em eventos políticos, como início e fim das ditaduras militares, sufrágio feminino e direito ao divórcio. Além disso, a entrada conta com um sinal de classificação indicativa para maiores de 10 anos, indicando que há trabalhos que lidam com corpo, sexualidade e violência.
Ao visualizar a linha do tempo, temos uma perspectiva muito clara do contexto histórico relacionado às obras, e podemos comparar os diferentes países representados na exposição, o que enriquece a experiência do visitante leigo. Por outro lado, sua presença deixou-me com a expectativa de que a exposição apresentaria as obras uma ordem cronológica, o que me causou certa confusão quando entrei na primeira sala e vi obras da década de 1980.
Percebi, logo depois, que na realidade a divisão das obras foi feita por temáticas. Tendo como tema principal o corpo político, a exposição se divide em outros nove subtemas. Segundo Cecilia Fajardo-Hill, a temática do corpo é central devido à mudança de perspectiva que as artistas trouxeram para a história da arte.
Ao entrar na exposição somos já impactados com a primeira obra mais perto da porta. No vídeo “Gritaram-me Negra!” (1978), a artista peruana Victoria Santa Cruz apresenta um poema cantado que relata um episódio de racismo sofrido em sua juventude, e durante a canção transforma o grito “Negra”, inicialmente usado como insulto, em um grito de autoafirmação.
A escolha dessa obra é uma excelente introdução à exposição, definindo muito bem seu tom e tema gerais - fala do corpo, da voz da mulher, da sua experiência no mundo opressor e da sua autoafirmação em tal contexto. A curadoria é impecável, e constam na mostra diversos trabalhos interessantes, incluindo nomes conhecidos como Lygia Pape, Cecilia Vicuña, Beatriz Gonzales, entre tantos outros nomes que fizeram parte da vanguarda da videoarte, pop art e da performance.
O argumento central da exposição mostra que, embora muitas dessas artistas tenham sido figuras decisivas no cenário artístico de seus países, ainda assim não receberam o devido reconhecimento pelo que fizeram. Estas artistas partiram da noção do corpo como um campo político e embarcaram em investigações desafiar as classificações dominantes e os cânones da arte estabelecida. Os textos nas paredes que apresentam os diferentes subtemas são sucintos e claros e funcionam muito bem para compreendermos esses contextos.
Entre os anos 1960 a 1980, as nações latino-americanas viveram ditaduras, que colocavam os artistas em uma posição delicada ao terem sua liberdade de criar e se expressar tolhida. O período é também de extrema importância na criação de novos média, vital para a construção da arte contemporânea, e muito utilizada pelas artistas destacadas.
Infelizmente, todas as salas de exposição são pequenas demais para a quantidade de obras presentes. Em seis salas relativamente pequenas estão mais de 200 obras, o que dificulta a leitura de cada uma delas com devida atenção. Os vídeos possuem excelentes soluções de projeção, mas as salas não oferecem recuo suficiente para assisti-los, e muitos deles são projetados em uma altura em que não permite visualizá-los adequadamente.
Embora chame-se “Mulheres Radicais”, a exposição não foca em movimentos políticos feministas, e sim apresenta a produção de artistas mulheres no contexto da arte latino-americana nos anos 60, 70 e 80. Inclusive, explica-se em um dos textos presentes na exposição que muitas dessas mulheres sequer se consideravam feministas, e muito disso se dava porque naquele momento histórico o movimento feminista era muito caracteristicamente americano e europeu, e os países latinos estavam em um forte movimento anti imperialista.
A impressão geral é de que há realmente muita arte produzida por essas mulheres. É interessante perceber como os nomes femininos na arte são tantos e mesmo assim muito pouco citados, o que se destaca quando se revela uma curadoria com apenas nomes femininos.
O recorte histórico oferecido é muito bem feito, abarcando o período das ditaduras latino-americanas - no entanto, não é uma tarefa fácil abarcar artistas de 15 países em quase três décadas. Assim, a sensação final é de que a exposição abre portas para dar início a novas pesquisas mais focadas, o que pode tornar-se um bom incentivo aos jovens pesquisadores ou curiosos. E para o público geral, é uma forte mensagem de libertação e poder feminino.
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