terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Concerto ‘Cycle du son’ de Francis Dhomont


30 de Novembro de 2018 no Lisboa Incomum
Organizado pelo Festival Dias de Música Electroacústica



Francis Dhomont nasceu a 2 de novembro de 1926 em Paris. No final dos anos 40 espontaneamente descobre com o fio magnético aquilo a que Pierre Schaeffer chamaria mais tarde de "música concreta" e, consequentemente, conduz experiências sobre as possibilidades musicais da gravação de som. Mais tarde dedicou-se exclusivamente à composição electroacústica. Defensor apaixonado da música acusmática, o seu trabalho é composto unicamente de obras musicais fixas sob suporte (fita) demonstrando o seu interesse ininterrupto na interação morfológica e nas ambivalências entre o som e as imagens que o mesmo pode criar.

Neste concerto com a duração de 60 minutos, presenciamos, numa pequena sala lotada e a pouca luz, a execução em tempo real de uma peça com 4 andamentos e uma pequena introdução, tudo isto em forma de homenagem ao 60º aniversário da invenção de Pierre Schaeffer, que constitui claramente uma reviravolta musical sem precedentes. Todo o concerto aconteceu assim, neste ambiente muito acolhedor e pessoal que nos puxa e segura perto do compositor e interprete, fazendo-nos sentir parte de toda a experiência como que cada emoção que ele transmite fosse de facto nossa.


Peça introdutória: Objets exposés
Este primeiro instante trata-se de um reconhecimento apressurado num campo desmedido.
Tanto a escolha de objetos como as leis da sua junção e evolução progressiva são fascinantes.
Neste primeiro acontecimento musical, oito distintos objetos sonoros formam uma frase atribuída ao primeiro discursante; a segunda replica um "contra-tema", também ele formado de oito objetos. As evoluções são conseguidas pela variação do tema que institui a sua forma sobre as distintas sequências de objetos na sua sucessão e sobreposição.


Cycle du son (Objets retrouvés, AvatArsSon, Novars, Phonurgie)
Este ciclo com 4 andamentos é uma celebração ao som e à música concreta.
Estas quatro peças saltam repetidamente umas sobre as outras, intercalando-se, replicando-se em ecos, complementando-se: menções, comentários, transnominações, ampliações. Elas evocam, em qualquer alforria poética, uma digressão histórica.
Apesar dos materiais tecnológicas terem-se alterado e a "cor do som" não ser de maneira alguma a mesma, o juízo e a escrita morfológica ainda permanecem aqui sob numerosos aspectos, fieis ao espírito dos primeiros “concertos de ruídos".




1- Objets retrouvés
Lamento, marcha fúnebre.
Três vozes (no sentido contrapontístico do termo), compostas a partir dos componentes do primeiro andamento deste Étude, adornam e residem os longos períodos dos objetos originais que constituem o "coral", a quarta voz dessa polifonia. A escolha de um formato clássica, tão presente em Bach, não é de todo inocente quando se trata de enobrecer a memória de Schaeffer; gosto de me convencer de que ele não teria sido insensível à alusão. 
(‘Objets retrouvés’ foi realizada no estúdio pessoal do compositor, em Montreal.)


2- AvatArsSon
Luz, profunda crónica da música concreta e da sua durabilidade através de mutações e metamorfoses infindáveis.
Aqui deparamo-nos com um aspecto precursor da "nova música", que, graças ao conceito de objecto sonoro, permitiu a criação de um universo musical multidimensional. Evocações também de desvios heurísticos fecundantes. Mas é principalmente uma metáfora e uma sintetização de alguns estágios da odisseia sonora e a sua efetivação. Aqui, o apaixonado pode descobrir o rasto de muitas contribuições furtivas.
(“AvatArsSon” é uma encomenda especial do Ministro da Cultura (França) e do INA-GRM para os 50 anos da música concreta, realizada no estúdio SYTER do Ina-GRM e no estúdio pessoal do compositor, em Montreal.)


3- Novars
Saúda o surgimento da Música Concreta, Ars Nova do nosso século, usando os engenhos do computador.
Não se trata de mimicar, mas, pelo contrário, para comprovar que através dos meios mais modernos, uma linguagem foi realmente transmitida.
Talvez também seja viável, sem estabelecer um paralelismo simplista, sugerir que, separados por seis séculos, há um certo parentesco entre esses dois teóricos de uma nova arte: Vitry e Schaeffer.
Assim, um ouvido "clássico" pode distinguir fragmentos do 'Etude aux objets” de Pierre Schaeffer e a “Messe de Nostre Dame” de Guillaume de Machaut. Estas contribuições indiretas constituem todo o material que dá origem a abundantes variações.
(“Novars” é uma encomenda do INA-GRM, realizada nos seus estúdios e no estúdio pessoal do compositor, em Montreal.)


4 - Phonurgie
Neologismo: fabricação, modelagem, criação de som.
O título dá ênfase à importância dada nesta parte final à "invenção do som", no primeiro sentido da descoberta.
Ao contrário das outras obras deste ciclo, “Phonurgie” cita apenas um passageiro objeto do estudo Schaefferiano, colocando um fim à escuta da herança, enquanto a primeira parte (‘Objets retrouvés', por exemplo) ilustrou todos os seus materiais e estrutura.


Para esta quarta homenagem, as alusões originais desvanecem antes das proposições originais; A filiação não é contestada, mas aqui, a criança, finalmente maior, rejeita a sua identidade.
Certamente, encontramos elementos parafraseados de ‘Novars', que parafraseou ‘L'Etude aux objets’: comentário do comentário; certamente, o som concludente é uma evocação do ‘AvatArsSon’. Mas neste desenlace não há mais nada para além de uma lembrança desbotada de climas prévios.
(‘Phonurgie’ foi encomendada pelo Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD), realizada no sistema SYTER do INA-GRM (Paris) e no estúdio do próprio compositor em Montreal.)



                                               Fotografias da autoria do Festival DME.

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