domingo, 16 de dezembro de 2018

Gris, vide, cris


Rui Chafes e Alberto Giacometti
Uma exposição na Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, com curadoria de Helena Freitas do dia 3 de Outubro a 16 de Dezembro de 2018.

O espaço expositivo da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris possui uma escala doméstica, com salas que proporcionam um encontro intimista entre estes dois artistas. O desencontro físico dá-se no ano de 1966, quando Rui Chafes nasce e Alberto Giacometti morre, mas este diálogo vai muito para além da visibilidade. Nestas quatro salas assistimos a 5 momentos, ou 5 versos de um inteiro poema Gris, Vide, Cris.
A visão é apenas um guia para um percurso sensorial entre a materialidade e a imaterialidade. Rui Chafes apresenta-nos um percurso que nos esvazia e criteriosamente nos situa em determinado ponto ou lugar na relação com a obra de Alberto Giacometti.
Rui Chafes cria esse espaço suspenso, cria o detalhe para ver o detalhe, a materialidade para deixar ver a imaterialidade, e no fim propõe uma transcendência.
Logo na primeira sala instala um contentor, um túnel, onde a entrada e a saída são a mesma. É para ser percorrido na escuridão e numa dimensão onde só há espaço para uma pessoa. Ao longo desse percurso cria aberturas muito específicas que damos conta através das figuras retroiluminadas de Giacometti, somos voyeurs a espreitar por ínfimas aberturas, dá-se um efeito de ampliação através da contenção. O isolamento e a solidão com que nos confronta obriga-nos a desmaterializarmo-nos para podermos entrar nessa invisibilidade.



Na segunda sala, Chafes instala um contentor igualmente escuro mas diferente do anterior pois ao fundo desse percurso está apenas uma figura de Giacometti, muito pequena e centrada numa caixa embutida e iluminada. Esse percurso realiza-se através de um pavimento inclinado criando-nos uma sensação de desconforto, de dificuldade, de agitação física e consequentemente mental. Um confronto com o desequilíbrio cujo objectivo é vencer o espaço para ver o pormenor, uma invisibilidade que se torna visível a uma determinada distância de proximidade. Essa pequena figura de Giacometti aparece então devidamente detalhada e equilibrada.


Na terceira sala, a mais convencional até ao momento, encontramos o trabalho de Giacometti a toda a volta. De um lado, esculturas que nos deixam observar o exímio trabalho de artesão do artista Suíço confrontadas, do outro lado do espaço, com os seus desenhos de estudo de peças. Ao centro, Chafes suspende duas obras numa exploração de um movimento etéreo, que desafia a gravidade da matéria e da cor, fazendo com que estas obras se apresentem como uma passagem. 
Nessa mesma sala, mas numa zona marcadamente distinta, encontramos uma máscara. Uma escultura em ferro, com uma forma pontiaguda como que moldando um nariz, tendo por detrás da máscara uma pequena escultura de Giacometti. Nesta peça, a simbiose é clara, Giacometti é o apoio de Rui Chafes e os dois traçam um ponto de fuga onde se transcende, um ritual de passagem até ao infinito.
No último espaço desta exposição, Rui Chafes desafia Giacometti para um duelo entre duas peças, um diálogo contido pelas configurações espaciais reduzidas e que evidenciam a importância do tacto no acto de fazer e da desmaterialização da forma no acto de ver e sentir.
Assistimos nesta exposição a um diálogo entre dois artistas que criam uma linguagem para o silêncio, através da representação da presença. Esvaziar para transcender, na matéria e no tempo. Regressar à origem, do nascimento e da morte.

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