sexta-feira, 21 de dezembro de 2018



SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES. Lisboa 2018
Exposição “Gabinetes” de Pedro Saraiva. Curadoria de Maria João Gamito.





Pedro Saraiva nasceu em 1952, vive e trabalha em Lisboa.

Professor Associado na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (Desenho) e Professor convidado no Departamento de Arquitectura no ISCTE (Desenho). Pedro Saraiva desenvolve um trabalho em torno dos métodos conceptuais e de investigação sobre o desenho como projecto.

Participou em inúmeras exposições, nacionais e internacionais e individuais e colectivas ao longo do seu percurso artístico.



      Sabia que se tratava de uma exposição de um artista, ao qual me foi dito que era professor na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, cuja frequentava na Licenciatura, porém a cada passo a dúvida prevalecia - “estou mesmo numa exposição de um artista, ou de vários? Será uma exposição de natureza retrospectiva deste artista? Será o mesmo um curador de uma exposição de diferentes artistas?” - Ao percorrer o Salão da Sociedade Nacional de Belas-Artes deparei-me com aquilo a que o Pedro Saraiva chama de gabinetes: pequenos estúdios, escritórios, ou áreas de género white cube, em que cada um destes espaços nos incentivava a questionar quem seriam estas pessoas ou personalidades.


      Muito mais tarde entendi a questão dos gabinetes como uma separação de fases e a construção de heterónimos por parte de Pedro Saraiva, em que fui capaz de identificar vestígios que conectam o todo, mas que cada um possuía focos diferentes, naturezas diferentes, muitas das vezes altamente ilusórias: um mapa com um percurso delineado que poderia nunca ter sido percorrido, pormenores de vegetação desenhados sobre papel ao pormenor e em grande escala, caixas em madeira com algodão no interior que me permitia imaginar uma nuvem guardada, e até os tais gabinetes, com o cenário criado e documentos que construíam novas personalidades, personalidades inventadas.

      Senti tratar-se de uma exposição coesa, sendo para mim uma óptima introdução ao trabalho e investigação de Pedro Saraiva, era possibilitado o entendimento desta investigação bipolar revestida de uma serenidade/fúria, como necessidade do artista em se multiplicar durante o seu caminho, existe a tal conexão entre gabinetes mas todos eles com essências diferentes, senti o arquivo, senti a narrativa, e mais intimamente a poética. Apesar da separação e da construção dos gabinetes havia uma qualquer ligação ao imaginário de Pedro Saraiva, mais tarde vim a descobrir nas poucas referências bibliográficas em que encontrei algumas das várias personalidades criadas e encontradas pelo artista.


“Um arquitecto, um desenhador topógrafo, um médico e um vigilante de museu.Quatro livros de artista e Pedro Saraiva.Quatro livros de artista e a notícia breve de quatro vidas desenhadas nos traços que brevemente as grafam como acontecimento.(...) Nomes identificam os retratos. Caligrafias que laboriosamente traçam os caprichos da memória que nasce na escrita das palavras. Desenhos eruditamente inscritos no ofício e nos artifícios do Desenho. Fotografias de pessoas, coisas e lugares que traçam perfis e semelhanças fazendo deslizar os significantes para melhor inventar o mundo em que nos reconhecemos. tudo isso em discretas alusões à vida do autor, às vidas que ficaram para a história e às vidas que consubstanciam as estórias, num incessante viver entre realidade e a ficção.” ¹


fig.1 - Fotografia retirada do Instagram de João Silvério.

Foi crucial a ligação que fiz a Fernando Pessoa que, por um meio diferente, utilizou a escrita para se expressar, e criou os seus heterónimos com uma necessidade de se multiplicar e aplicar aquilo que era o seu método de criação e de entendimento do mundo. Pedro Saraiva por outro lado utiliza o desenho, e a instalação para criar esta multiplicidade de “eus”, pareceu-me tratar-se de uma necessidade intrínseca de criar um género de trabalho biográfico, heteronímico, em que só assim consegue realmente responder à sua própria exigência no processo artístico. Dá-se a construção de narrativas que correspondiam aos vários estados de investigação e processo artístico do artista.



fig.2 - Fotografia retirada do Instagram de João Silvério.




fig.3 - Fotografia retirada do Instagram de João Silvério.

Penso ser uma exposição que me fará questionar continuamente ao longo do tempo, pelo seu cariz experimental, místico e pela sua coesão no todo.



¹ GAMITO, Maria João (2012) “Pedro Saraiva: vidas de papel: O artista como significante.” Revista :Estúdio, Artistas sobre outras Obras. ISSN 1647.6158, e-ISSN 1647.7316. Vol 3 (6): 234-240.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

www.we want waffles #1, de João Estevens - Rabbit Hole



A apresentação da performance mencionada aconteceu no Festival Temps d’Images de 2018. Esta tratou-se de mais uma apresentação da série de performances associadas ao projeto de investigação artística “www.”, de João Estevens. Nesta apresentação, que começou com um dispositivo livre e de instalação, os espetadores assumiam a condição de visitante e podiam circular livremente pelo espaço observando e interagindo com o dispositivo existente. Este dispositivo baseava-se na utilização de diferentes computadores, existindo várias projeções de vídeo e de imagens, pesquisas na internet, audiobooks, sessões de karaoke, etc.  Com o passar do tempo, os três performers começam a assumir a sua presença através da ativação de diferentes elementos pertencentes ao dispositivo da instalação já existente no espaço. Este momento, dá início a uma segunda parte da performance, onde o visitante começa a tornar-se espetador e assiste às propostas de interação entre performer-performer e performer-dispositivo. Nesta fase, é existente a intenção de criar vários focos através da multiplicidade de projeções existentes, obrigando o espetador a ter de escolher o que quer assistir, pois era impossível acompanhar tudo. As interações existentes levam a que os performers se vão aproximando no espaço, bem como a que as imagens se vão centralizando e criando um foco único para o espetador. O último momento da performance corresponde a uma à dobragem em tempo real de um vídeojogo projetado em tela, afastada da zona onde se encontravam os performers, levando o público a divergir o seu olhar dos performers para a imagem.





Esta descrição formal da performance é importante para se chegar ao conteúdo, que aborda a forma como o digital altera as nossas formas de interação e de comunicação, provocando uma navegação sem direção na internet. A performance propõe a aceitação do tédio e do tempo contemplativo, por oposição a uma construção que privilegie a eficácia do objeto performativo. Esta performance propõe uma dramaturgia que transforma a instalação, em performance e, posteriormente, em cinema, levando o visitante-espetador a um estado de crescente alienação, ao mesmo tempo que despoleta uma reflexão sobre a forma como consumimos imagens, agimos ou não agimos perante as mesmas, e nos confrontamos com as (im)possibilidades da nossa atuação individual e coletiva através das plataformas digitais que temos ao nosso dispor. Num momento circunstancial, relativamente no início da performance, um dos performers fala para a webcam, de costas para o público, e divaga sobre o digital. Este texto, que só entendemos como manifesto após o fim da performance, termina com uma questão que interrogava qual seria o futuro da humanidade se não tomássemos consciência e controlo da presença dos paradigmas digital e virtual nos tempos de hoje. Curiosidade, ou talvez não, é o final da performance ser a dobragem de um videojogo intitulado “The Last of Us”, que evidencia um cenário pós-apocalíptico, onde zombies ameaçam a continuidade da humanidade, tal como a conhecemos. Esta analogia não é explícita, mas é fundamental para que se compreenda a reflexão existente na obra, para além da sua aparente contemplação sobre um estado da arte acerca da utilização da internet e de uma cultura da chamada geração Y (millenials).





É uma performance que se iniciou antes da hora, evitando a espera habitual do público para que uma performance ou um espetáculo tenham início. Esta foi a forma encontrada para não dar um início à performance, que se iniciou em tempos diferentes para diferentes visitantes-espetadores. Também a duração total era incerta, pois grande parte da performance recorria a improvisação, fazendo com que as ações e os tempos das mesmas fossem obrigatoriamente incertos. É um trabalho que desafia as lógicas preponderantes e a eficácia do processo de construção dos objetos performativos pertencentes a disciplinas dominantes como o teatro e a dança. É um trabalho que reativa a própria performance nos espaços institucionais, mas que também traz contributos para se pensar o porquê da ausência do género performance nas programações de várias instituições que atuam no campo das artes performativas em Portugal. Uma última observação para refletir sobre o cruzamento entre as artes visuais e as artes performativas. Este é outro dos elementos centrais deste objeto, onde a imagem é sempre protagonista, ainda que em constante mutação e muitas vezes em excesso de informação. É através da utilização da imagem, e menos pelo discurso falado, que os performers trabalham a forma como o excesso de informação cria situações de ruído extremo e de incapacidade de percepção. Em suma, esta performance reflete, tanto na forma como no conteúdo, sobre problemáticas atuais da arte contemporânea. O uso da improvisação para a criação de ritmos performativos autogeridos, a transformação do formato de instalação para espetáculo no próprio evento performativo, e uma dramaturgia que surfa a internet recusando a eficácia são características claras deste objeto, que trazem uma nova condição de espetador e promovem novas linguagens visuais e performativas, ainda que haja espaço para que estas se maturem mais em futuros trabalhos.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Poses e Variações


POSES E VARIAÇÕES - ESCULTURA EM PARIS NO TEMPO DE RODIN
26 out 2018 - 4 fev 2019 na Fundação Calouste Gulbenkian 

Quando entrei na sala grande da exposição, reparei que as estátuas pareciam estar posicionadas como um jogo de xadrez. Todas com tamanhos diferentes, de pequenos a tamanhos reais (grandes como um ser humano).


A exposição foca-se no tema da pose enquanto elemento fundamental da escultura figurativa. A exposição procura sublinhar a nova relação que os artistas presentes estabelecem entre o realismo, a sensualidade e o sentimento. A exposição reavive a paixão pela escultura e a perceção da qualidade da representação tridimensional do corpo humano nas suas mais diversas formas.

O conjunto de obras selecionadas para a exposição – que representa o ciclo da vida da infância à maturidade – estabelece assim diálogos criados a partir das diversas poses.


A sala, possuía números a indicar o tipo da pose das esculturas:


1 – A ausência da pose: baseada nas crianças. Os artistas abordaram o motivo com um olhar quase "puro" e também o corpo infantil que se encontrava ainda desarticulado ou em formação, no ato de posar uma dificuldade real;


2 – A figura acocorada: apresenta uma figura que simultaneamente se mostra e se esconde, num jogo de conotação sexual. A escultura encoraja o espectador a contorná-la e, na sua beleza, que permanece virtuosa;



3 – Maternidade: o tema do sentimento maternal esteve presente na arte francesa da década de 1870. Estas cenas foram muitas vezes sugeridas aos escultores pelos seus próprios círculos familiares, no seio dos quais encontraram modelos preferenciais;



4 – Figuras entrelaçadas: procuravam estabelecer através do tema da união de dois ou mais corpos representados. E a proximidade da representação de amantes recorreu à pose para a criação de efeitos dinâmicos na combinação de duas figuras entrelaçadas agrupadas num corpo compacto;



5 – A figura em pé: ilustram o tema intemporal da figura de pé, parada ou em movimento.




Enquanto deambulava na sala para observar as figuras, surgiu uma música (não consegui identificar devido à minha surdez) e um grupo de jovens. No início, andavam aleatoriamente para observar as estátuas e começaram a dançar. Era evidente que estavam a fazer uma atuação para expressar ao público que as figuras são de geral, não somente as estátuas com poses.





Após disso, a sensação que senti sobre a exposição foi tristeza, resumirei o mais possível para compreender os meus sentimentos.

Nasci surda e admiro a Língua Gestual, então comecei a investigar mais sobre a História dos Surdos. A Língua Gestual sofreu de opressão e discriminação pois a sociedade achava que a surdez causava problemas mentais por não conseguirem comunicar.


Ironicamente, desde a Antiguidade, faziam as estátuas com poses para expressar o sentimento e a Língua Gestual é idêntica. Tem a configuração das mãos, localização, movimento, expressão facial e orientação. E não consideravam a Língua Gestual como uma língua até no século XX.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Concerto ‘Cycle du son’ de Francis Dhomont


30 de Novembro de 2018 no Lisboa Incomum
Organizado pelo Festival Dias de Música Electroacústica



Francis Dhomont nasceu a 2 de novembro de 1926 em Paris. No final dos anos 40 espontaneamente descobre com o fio magnético aquilo a que Pierre Schaeffer chamaria mais tarde de "música concreta" e, consequentemente, conduz experiências sobre as possibilidades musicais da gravação de som. Mais tarde dedicou-se exclusivamente à composição electroacústica. Defensor apaixonado da música acusmática, o seu trabalho é composto unicamente de obras musicais fixas sob suporte (fita) demonstrando o seu interesse ininterrupto na interação morfológica e nas ambivalências entre o som e as imagens que o mesmo pode criar.

Neste concerto com a duração de 60 minutos, presenciamos, numa pequena sala lotada e a pouca luz, a execução em tempo real de uma peça com 4 andamentos e uma pequena introdução, tudo isto em forma de homenagem ao 60º aniversário da invenção de Pierre Schaeffer, que constitui claramente uma reviravolta musical sem precedentes. Todo o concerto aconteceu assim, neste ambiente muito acolhedor e pessoal que nos puxa e segura perto do compositor e interprete, fazendo-nos sentir parte de toda a experiência como que cada emoção que ele transmite fosse de facto nossa.


Peça introdutória: Objets exposés
Este primeiro instante trata-se de um reconhecimento apressurado num campo desmedido.
Tanto a escolha de objetos como as leis da sua junção e evolução progressiva são fascinantes.
Neste primeiro acontecimento musical, oito distintos objetos sonoros formam uma frase atribuída ao primeiro discursante; a segunda replica um "contra-tema", também ele formado de oito objetos. As evoluções são conseguidas pela variação do tema que institui a sua forma sobre as distintas sequências de objetos na sua sucessão e sobreposição.


Cycle du son (Objets retrouvés, AvatArsSon, Novars, Phonurgie)
Este ciclo com 4 andamentos é uma celebração ao som e à música concreta.
Estas quatro peças saltam repetidamente umas sobre as outras, intercalando-se, replicando-se em ecos, complementando-se: menções, comentários, transnominações, ampliações. Elas evocam, em qualquer alforria poética, uma digressão histórica.
Apesar dos materiais tecnológicas terem-se alterado e a "cor do som" não ser de maneira alguma a mesma, o juízo e a escrita morfológica ainda permanecem aqui sob numerosos aspectos, fieis ao espírito dos primeiros “concertos de ruídos".




1- Objets retrouvés
Lamento, marcha fúnebre.
Três vozes (no sentido contrapontístico do termo), compostas a partir dos componentes do primeiro andamento deste Étude, adornam e residem os longos períodos dos objetos originais que constituem o "coral", a quarta voz dessa polifonia. A escolha de um formato clássica, tão presente em Bach, não é de todo inocente quando se trata de enobrecer a memória de Schaeffer; gosto de me convencer de que ele não teria sido insensível à alusão. 
(‘Objets retrouvés’ foi realizada no estúdio pessoal do compositor, em Montreal.)


2- AvatArsSon
Luz, profunda crónica da música concreta e da sua durabilidade através de mutações e metamorfoses infindáveis.
Aqui deparamo-nos com um aspecto precursor da "nova música", que, graças ao conceito de objecto sonoro, permitiu a criação de um universo musical multidimensional. Evocações também de desvios heurísticos fecundantes. Mas é principalmente uma metáfora e uma sintetização de alguns estágios da odisseia sonora e a sua efetivação. Aqui, o apaixonado pode descobrir o rasto de muitas contribuições furtivas.
(“AvatArsSon” é uma encomenda especial do Ministro da Cultura (França) e do INA-GRM para os 50 anos da música concreta, realizada no estúdio SYTER do Ina-GRM e no estúdio pessoal do compositor, em Montreal.)


3- Novars
Saúda o surgimento da Música Concreta, Ars Nova do nosso século, usando os engenhos do computador.
Não se trata de mimicar, mas, pelo contrário, para comprovar que através dos meios mais modernos, uma linguagem foi realmente transmitida.
Talvez também seja viável, sem estabelecer um paralelismo simplista, sugerir que, separados por seis séculos, há um certo parentesco entre esses dois teóricos de uma nova arte: Vitry e Schaeffer.
Assim, um ouvido "clássico" pode distinguir fragmentos do 'Etude aux objets” de Pierre Schaeffer e a “Messe de Nostre Dame” de Guillaume de Machaut. Estas contribuições indiretas constituem todo o material que dá origem a abundantes variações.
(“Novars” é uma encomenda do INA-GRM, realizada nos seus estúdios e no estúdio pessoal do compositor, em Montreal.)


4 - Phonurgie
Neologismo: fabricação, modelagem, criação de som.
O título dá ênfase à importância dada nesta parte final à "invenção do som", no primeiro sentido da descoberta.
Ao contrário das outras obras deste ciclo, “Phonurgie” cita apenas um passageiro objeto do estudo Schaefferiano, colocando um fim à escuta da herança, enquanto a primeira parte (‘Objets retrouvés', por exemplo) ilustrou todos os seus materiais e estrutura.


Para esta quarta homenagem, as alusões originais desvanecem antes das proposições originais; A filiação não é contestada, mas aqui, a criança, finalmente maior, rejeita a sua identidade.
Certamente, encontramos elementos parafraseados de ‘Novars', que parafraseou ‘L'Etude aux objets’: comentário do comentário; certamente, o som concludente é uma evocação do ‘AvatArsSon’. Mas neste desenlace não há mais nada para além de uma lembrança desbotada de climas prévios.
(‘Phonurgie’ foi encomendada pelo Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD), realizada no sistema SYTER do INA-GRM (Paris) e no estúdio do próprio compositor em Montreal.)



                                               Fotografias da autoria do Festival DME.