sábado, 9 de janeiro de 2016

Um Museu Entre As Árvores


Um Museu Entre As Árvores                                                           

Uma Coleção Naturalista e o Diálogo Com a Arte Contemporânea




Manhã de domingo, chuvosa e fria, capaz de desencorajar quem decida ir até ao Museu Malhoa, escondido entre as árvores húmidas e o jardim desolado, invernoso. No entanto, a experiência revela-se muito agradável.  Depois do passeio pelo parque, da observação da natureza quieta, o museu, edifício de influência modernista e o primeiro em Portugal a ser projetado de raiz para esse fim, proporciona-nos o aconchego íntimo dos espaços pequenos, “o lugar de encontro com a pintura de Malhoa e com uma época da cultura portuguesa, um museu do naturalismo português”, (COUTO, 2005).
            Percorrendo as salas que se organizam à volta do claustro quadrangular, perdemo-nos na admiração de obras de uma importante coleção de pintura e escultura dos séculos XIX e XX a que se junta, da mesma época, o desenho, a medalhística e a cerâmica das Caldas da Rainha, - centrada, esta última, na criatividade de Rafael Bordalo Pinheiro.
A coleção de pintura possibilita-nos uma alusão ao romantismo tardio, com as obras de Tomáz da Anunciação (1818-1879), Miguel Ângelo Lupi (1826-1883) e Joaquim Prieto (1833-1907), cuja “ Paisagem”(1868) delicada, com tons dourados e distantes tons azulados, nos fica no olhar. Ou a pequeníssima tábua de “Marinha” (s.d.) (1), que revela uma sensibilidade extraordinária no tratamento das claridades que aparecem já com apontamentos naturalistas.



                                          1. Alfredo Keil, Marinha, s.d., óleo s/ madeira, 11,1x16,3 cm.




                                          2. José Malhoa, Conversa com o Vizinho, 1932, óleo s/ tela, 31x27,5 cm.

Marques de Oliveira (1853-1927) e Silva Porto (1850-93) protagonizam a introdução do naturalismo em Portugal. Em torno deste último reúne-se o “ Grupo do Leão", representado, no Museu, além de Malhoa (1855-1933), por pintores como Columbano ( 1857-1929), António Ramalho (1859-1916), João Vaz (1859-1931), Moura Girão (1840- 1916), Henrique Pinto (1853-1912), Ribeiro Cristino ( 1858-1948) e Rodrigues Vieira (1856-1898).
Na sala dedicada a José Malhoa, a maior e mais imponente, é-nos possível apreciar obras várias, que incluem “Retrato de Laura Sauvinet” (1888), “Nuvens” (1915), “Primavera” (1932), ou “Conversa com o vizinho” (1932) (2), onde a transição plástica do ambiente de interior para a paisagem envolvente é tratada através da figura feminina, que recebe e reflete os efeitos de luz no rosto, no vestuário e no panejamento que se encontra à janela.
Ainda da primeira geração naturalista, os dois pastéis de Sousa Pinto (1856-1939) “ Pinhal do Parque” e “Águas Santas”, ambos de 1917, fixam trechos de Caldas da Rainha, obtendo efeitos de luz através de um completo domínio da técnica. Sucedem-se José de Brito (1855-1946), Condeixa (1857-1933) e Carlos Reis (1863-1940), que influenciam a segunda geração naturalista, tal como Veloso Salgado (1864-1945), Luciano Freire (1864-1935) e Joaquim Lopes (1886-1956). Joaquim Lopes, por exemplo, oferece-nos uma cuidada composição, tirando partido do cromatismo dos motivos, espelhada em “ Sol da tarde. Veiga da Urgeira” (1941). Outras obras, igualmente importantes, de artistas da segunda geração naturalista e pertencentes ao “Grupo Ar Livre” (1910-1927) e ao “Grupo Silva Porto” fazem ainda parte da coleção.
Das experiências modernistas destacam-se os nomes de Dordio Gomes (1890-1976), Abel Manta (1888-1982) e Eduardo Viana (1881-1967) (3), com uma lindíssima “Composição” (1947), de linguagem figurativa e rico cromatismo onde se destacam os contrastes de complementares.




                                                      3. Eduardo Viana, Composição, 1947, óleo s/ tela, 99x79 cm.
                             
                                                         

                                                      4. Régis Perray, La Decouverte du Portugal, 2013, Instalação.




Em duas salas mais pequenas, mais discretas mas nem por isso menos encantadoras, encontramos os desenhos, aguarelas e gravuras que fazem parte do acervo do museu. Nestas salas ver-se-ão obras do período romântico ao contemporâneo, imperando a produção naturalista. A expressividade, no uso do carvão, da sanguínea e do pastel, acentua-se na proximidade que temos com os trabalhos. De facto, é-nos possível sentir a fluidez, a velocidade do traço e o rigor aquando da observação da luz, tão presente nos desenhos de Malhoa, tal como conseguimos, no caso das aguarelas, apreciar o pormenor das manchas diluídas na aguada que se estende à neblina matinal da paisagem do “Caramulo” (1942), de António Cruz.
Em todas as salas, num original diálogo com as obras da coleção permanente, vamos encontrando peças de arte contemporânea. O projeto, denominado Matriz Malhoa, comemora os 160 anos do nascimento do pintor José Malhoa e os 25 anos da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha. Com a duração de um ano, a programação vai de 28 de Abril de 2015 até 28 de Abril de 2016, com novas obras a serem apresentadas no final de cada mês. Obras de Regis Perray, artista francês (cortesia do Projeto Travessa da Ermida), Joana Roberto e João Belga, artistas portugueses, - este último a trabalhar nas Caldas da Rainha -, iniciaram o ciclo de exposições. Seguiram-se-lhes Nuno Fragata, Samuel Rama, Pedro Bernardo, Luís Alegre, Catarina Leitão e Luís Freire. No final realizar-se-á uma exposição coletiva com as intervenções de todos os artistas, consagrados e emergentes, que participaram no projeto, incluindo alunos e professores da ESAD.
Regis Perray, na obra “La Decouverte du Portugal” (2013) (4), pegou em pedras do chão da cidade de Lisboa, colocou-lhes sal por cima e depois azulejos de séries únicas e últimas da fábrica Pedrita. Esta fábrica foi criada por professores da ESAD e criou azulejos com reminiscências em diferentes séculos e nos quais foram usadas várias técnicas.
Da exposição Matriz Malhoa existe, à entrada do Museu, um dossier onde as sucessivas informações sobre os artistas e a sua obra se vão reunindo, a par da chegada das peças. A coleção permanente é merecedora de um desdobrável que contém as informações essenciais, tal como a planta do Museu. É urgente editar novos roteiros, - que, de momento, existem apenas em língua inglesa-, pois estes constituem, a meu ver, um apoio extremamente importante para os visitantes.
Saídos do museu, de volta ao parque Dom Carlos I, na envolvência do jardim, continuamos a visita, desejando encontrar as peças da coleção permanente, de “Escultura ao Ar Livre”,  e as da exposição temporária que o vão habitando.  


Referências Bibliográficas


COUTO, Matilde Tomaz do ( coord.), Museu de José Malhoa – Roteiro, 1ª edição, Instituto Português de Museus, 2005.

FRANÇA, José Augusto, A Arte em Portugal no Século XIX, 2ª edição, Lisboa, Livraria Bertrand Editora, 1981.

Matriz Malhoa – Um Ano de Arte Contemporânea no Museu (8-5-2015). Consultado a 1 de dezembro de 2015, em http://www.gazetacaldas.com/48732/matriz-malhoa-um-ano-de-arte-contemporanea-no-museu/







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