Sonia Delaunay (1885-1979)
Auto-retrato, 1916
Guache sobre papel
Col. CAM - Fundação Calouste Gulbenkian
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Mariana Oliveira
A exposição intitulada “O círculo Delaunay”, patente no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, apresenta-nos o universo do casal Robert e Sonia Delaunay, num período fulcral das suas vidas – o das “férias grandes” –, a passagem por Portugal, a terra da “luminosidade violenta”. Nesta sua estadia pelo norte de Portugal, entre 1915 e 1917 em Vila do Conde, o casal Delaunay vai por em prática a sua pintura simultânea. O "simultaneísmo" consiste na teoria desenvolvida por Michel-Eugéne Chevreul[1] (1786-1889) de que a perceção visual das cores se modifica quando existe uma justaposição de cores complementares, parecendo mais intensas do que quando estão isoladas. Mais do que isto, os discos simultâneos ou órficos (termo mais conhecido), presentes nas criações artísticas de Robert e Sonia, são, antes de mais, uma captação “do dinamismo próprio da luz”[2]. Não podendo esquecer o contexto histórico - a vida moderna, a industria cultural – em que estavam inseridos, Robert e Sonia, vanguardista assumidos, encontram em Portugal, no seu tempo de refugio à deflagração da 1ª Guerra Mundial, uma escapada à “modernolatria”[3]. Escapulida com mais intervenientes importantes para a formação do círculo, em que faziam parte o nosso casal e os nossos amigos portugueses Amadeu de Souza Cardoso, Eduardo Viana, Almada Negreiros.
A belíssima curadoria de Ana Vasconcelos não nos deixa ficar sem expetativa do que será o deslumbre desta exposição, desafiando-nos, logo à partida, com a apresentação da reprodução, em escala real, da pintura mural Portugal realizada para a Exposição Internacional das Artes e das Técnicas, no Palácio dos Caminhos de Ferro de Paris, em 1937. Esta receção, evidente no Hall que antecede a galeria das exposições do CAM, quente e estrondosa, dá-nos a primeira sensação “simultânea” deixada por Portugal a Sonia e Robert, completada com um registo pictórico de Eduardo Viana - “A Piteira” -, e fazendo referência direta à relação ativa entre ele e o casal.
A exposição continua no piso 1 e apresenta-nos, primeiramente, algumas das incríveis pinturas resultantes desta estada em Portugal, como se de uma capa de um álbum se tratasse – mais uma pequena provocação ao visitante que se empolga a querer desvendar este círculo embrenhado de luz e cor. Os pequenos apontamentos - as diferentes manifestações artísticas – que nos vão surgindo, revelam-nos os projetos, os lugares e os vários participantes deste “círculo órfico”. A viagem pode começar à mercê do visitante dado que, a dinâmica da escolha curatorial assim o permite, e é impossível não ficar maravilhado por todas estas propostas vibrantes. A “vida simultânea” é experienciada aqui na sua plenitude, tanto pelos artistas que formam este círculo como pelo espetador. Sonia Delaunay aparece-nos como protagonista desta dinâmica, e não podia haver melhor exemplo que o auto-retrato que deixo, aqui, por opção pessoal, como ilustração desta exposição. Arte e vida é a mensagem deixada como duas coisas indivisíveis.
Esta viagem pode ser experienciada até dia 22 de fevereiro e ainda ser complementada como uma visita à sala arquivo, que nos permite visualizar cronologicamente as relações dentro deste círculo embrenhado na vibração popular e na sede de criar simultaneamente.
[1] Publicada em 1839 sob o título Da lei do contraste simultâneo das cores [...]
[2] VASCONCELOS, Ana [et
al.], O Círculo
Delaunay, Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian. CAM, 2015. ISBN
978-972-635-309-6. p. 19
[3] Idem, p. 16.
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