Programa detalhado e Conferência visualizável através do link:
A Câmara Municipal de Lisboa candidatou-se e
foi escolhida, por um juri internacional, como Capital Europeia do
Voluntariado, em 2015, com o principal objectivo de promoção do Voluntariado a
nível das políticas locais[1].
Na sequência de uma série de iniciativas, a Câmara desafiou a Gulbenkian a
realizar esta conferência, que decorreu na tarde de 25 de Novembro de 2015, no
Auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian. Assumindo um carácter de debate,
esta conferência propõe-se a fazer uma avaliação do papel do voluntariado no
século vinte e um, e a afirmar o voluntariado como forma inquestionável de
participação activa na sociedade civil. Na abertura da conferência foi
apresentado um video, com testemunhos de voluntários, que mesmo sendo curto nos
mostra a diversidade de opiniões, em torno de quatro questões: o que é ser
voluntário, o valor, desafios e tendências do voluntariado (este video está
disponível para ser ser visualizado no site da Fundação[2]).
Estes temas foram, igualmente, o ponto de partida de cada uma das três sessões
da conferência para especulação sobre o futuro do voluntariado.
A afluência poderá ter sido superior à
esperada, uma vez que os lugares do Auditório 3 não foram suficientes para
albergar todos.
Na primeira sessão sobre o Valor do
voluntariado foi-nos explicado que este tema tinha sido subdividido em: valor
pessoal, valor social e valor económico; distribuído por três grupos, cada
liderado por uma personalidade convidada, de três diferentes consultoras, Mercer,
Accenture, e McKinsey, respectivamente. Infelizmente não nos foi esclarecido
como foram escolhidos os intervenientes de cada grupo, nem se foi um encontro
pontual, ou resultado de diversos encontros; apenas nos foi referido que faziam
parte desses grupos líderes de organizações sociais. Da troca de ideias, que
havia ocorrido nessa mesma manhã, foi-nos partihada uma dúvida fundamental, quase
contraditória com o propósito da própria conferência: se é ou não legítimo
apurar esses mesmos valores. Consideraram que o grande desafio actual é a
medição do voluntariado e sugeriram uma medição indirecta, a partir do impacto
social causado, para posterior conversão em impacto económico.
O grupo do valor social sentiu a necessidade de começar por identificar os
valores do voluntariado, para posteriormente poder definir o valor social do
mesmo. E estes incluem: exercício de cidadania, economia de partilha de valor,
que mais contribui para a economia convergente, confiança, valor partilhado,
linguagem comum, exercício de vontade em liberdade, promover valor
acrescentado, inclusão social... Mas também identificaram os valores do
voluntariado, que consideraram preversos: para enriquecer o currículo, por
caridade, como uma terapia, porque se encontra desocupado.
Quanto à forma de medida indirecta, a partir
do impacto, é feita através das pessoas que beneficiam, e do que o grupo
definiu como os 4 C´s: confiança, capacitação, conhecimento e convergência.
Sugeriram que as organizações deveríam definir os seus planos, tendo por base
cinco propósitos, reunidos em 5P´s: poucos, práticos, possíveis, progressivos e
partilhados. Não foi acrescentada qualquer informação sobre a implementação,
quer dos 4C’s, quer dos 5R’s.
Foi referido, de forma sucinta, o
envolvimento das empresas no Voluntariado, em duas diferentes vertentes; uma
directa e outra indirecta. Como participação directa, foi dado o exemplo das
empresas que se submetem à certificação do B Corporation[3],
em que a partir do seu negócio praticam a solidariedade. No formato indirecto,
as empresas promovem a acção do
voluntariado, pelo desafio que lançam ao seus trabalhadores, incutindo o gosto de
servir, em acções de voluntariado exteriores à empresa.
O debate do valor pessoal centrou-se em três questões: o perfil do voluntário,
o voluntariado no sistema de ensino e o voluntariado como forma de
desenvolvimento de competências. Contráriamente à conclusão do grupo anterior,
este grupo assume o voluntariado como uma troca: o voluntário por amor, de forma
espontânea e altruísta, exercício de cidadania, mas que também, e
assumidamente, recebe, satisfazendo necessidades pessoais, respondendo a
motivações “egoístas”, tais como a tristeza, a solidão, a velhice,
instrumentalizado como terapia, etc. Não obstante, para este grupo, servir como
voluntário implica compromisso e disponibilidade por parte do mesmo. A
discussão sobre se o voluntariado deveria ou não ser incluído no ensino formal,
de que forma, em que altura, e se as horas exercidas deveriam ser remuneradas,
por exemplo, por conversão em créditos curriculares, foi mais acesa e não
consensual. Consensual foi apenas a inclusão do voluntariado no ensino, no 1º e
2º ciclo com carácter obrigatório e formatado, e na universidade sem carácter
obrigatório. Infelizmente este debate (do voluntariado no ensino), mesmo sendo
um debate actual e necessário, foi remetido para um futuro próximo por falta de
tempo. Penso que será realmente necessário esclarecer a motivação da inclusão
do voluntariado no ensino, uma vez que as Escolas já desenvolvem e promovem
diversos projectos para uma cidadania activa, com o intuito de fomentar a
participação dos jovens na sociedade civil. E de que forma essa inclusão realmente
acrescenta algo ao foco e atenção já actualmente dada na Educação Formal. Deveria
ser questionado até, se esse carácter obrigatório sugerido, não contradiz a
definição de base do voluntariado, isto é, o indivíduo disponibilizar-se de
livre e espontânea vontade para ajudar. E igualmente ponderado se esse “voluntariado
à força” conduzirá a jovens mais sensíveis às necessidades dos outros ou se,
pelo contrário, esse carácter obrigatório os afastará, por contrariedade. Da
mesma forma é preciso ter em consideração que, ao incluir o voluntariado nas
Faculdades, com horas de voluntariado convertidas em créditos (seja ou não
obrigatório), poderemos estar a adulterar a motivação desse acto altruísta: em
vez de “aprender a dar” o aluno poderá ficar mais preocupado com a “remuneração
do acto de dar”, reflectida numa melhor avaliação e melhor currículo (mesmo
tendo em conta o carácter de troca do voluntariado). Devemos equacionar se com
a remuneração por créditos não estamos, de certa forma, a promover a ideia de
que vale a pena dar, se se receber algo quantificável. Sou da opinião que se se
integrar uma componente obrigatória nas Escolas, qualquer que seja o nível de
ensino em consideração, se denomine “Participação Cívica” ou “Cidadania Activa”, em vez de “Voluntariado”,
não só pela ambiguidade do carácter obrigatório, já referido, e as questões que
o mesmo levanta, mas também pela relevância do espectro abrangente da
Solidariedade. No sentido em que se só considerarmos o Voluntariado como A
forma de participação cívica e activa na sociedade, poderemos estar a alimentar
a ideia de que muitas outras formas de ajudar, nomeadamente ajudar conhecidos,
é menos importante que ajudar desconhecidos. Da mesma forma poderemos estar a
incutir a ideia de que ajudar pessoas em condições desfavorecidas é mais
relevante do que ajudar alguém, como por exemplo um colega de turma. Acredito
que uma forma abrangente de promoção do exercício do civismo é mais inclusiva e
expressiva da diversidade existente de formas de dar numa sociedade.
Quanto às competências é confirmado por este
grupo de discussão, que no exercício do voluntariado são desenvolvidas diversas
competências, vistas como transferíveis para outros desempenhos, nomeadamente:
liderança, gestão de tempo, gestão de conflitos e resiliência. E o voluntariado
no currículo como factor de
descriminação positiva, abrangentemente valorizado, apesar de não ser necessariamente
compreendido por todas as organizações. Parece-me importante questionar se ao remunerarmos com
créditos o Voluntariado Académico, não estamos a desvirtuar o elemento
diferenciador do voluntariado no currículo. Isto é, num processo de
recrutamento poder-se-á destinguir a motivação que deu lugar à participação no
voluntariado? Se apenas para um enriquecimento de currículo, se pelo gosto de
ajudar os outros, ou até por uma combinação destes dois motivos? Será a
motivação um factor suficientemente relevante e importante no recrutamento?
O grupo que debateu o Valor económico considerou inquestionável o facto de o
voluntariado acrescentar valor, e informou que a estimativa desse valor em
Portugal é de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), valor este que poderá estar
subestimado. Independentemente do número exacto para Portugal, este valor
coloca-nos no penúltimo lugar do ranking
dos Países Europeus. O valor mais elevado estimado na Europa é de 11% do PIB,
fazendo-nos então questionar se a razão de um valor tão baixo no nosso país, se
deve a factores culturais, e acalentando-nos a ideia de que poderemos chegar a
mais pessoas se aumentarmos o valor do voluntariado em Portugal. Este grupo
debateu igualmente a questão se o trabalho voluntário substitui o trabalho
remunerado, questão essa que não parece levantar grandes problemas, sendo
consensual que não competem, e que são até efectivamente actividades
complementares.
Na segunda sessão que tinha como tema “o
Futuro do Voluntariado: tendências e desafios”, foram respondidas algumas das
questões colocadas na sessão anterior. Tais como: a criação de um selo, pela
Confederação Portuguesa de Voluntariado, para atribuição de estrelas a
ONG´s, IPSS, e associações que trabalham
com voluntariados, com o intuito de reconhecer a verdadeira contribuição destas
organizações, e para destinguir de outras organizações, que de forma abusiva,
usam voluntários, em vez de trabalhadores remunerados. Também como contraponto,
do facto de Portugal ser o penúltimo país no ranking Europeu, referido igualmente no painel
anterior, foi-nos informado que: no Ano Europeu do Voluntariado, em 2011, foram
realizadas em Portugal 19 grandes feiras, enquanto que a média Europeia foi de
uma feira por ano; que em Portugal não se contabiliza certas acções de
Voluntariado, tais como as Associações de pais, alguns corpos de Escuteiros,
etc, enquanto que noutros países essas associações são contabilizadas; e que no
nosso País não faltam pessoas interessadas e a oferecerem-se como voluntários.
O principal problema actualmente, não se prende
com a mobilização da sociedade civil, mas antes com o encontro entre quem se
disponibiliza para o voluntariado e a necessidade das organizações. Surgem
dificuldades específicas, tais como: as
pessoas que se querem oferecer como voluntárias não saberem a quem se devem
dirigir; o problema das organizações em encontrarem o voluntário certo,
comparado ao recrutamento para um trabalho remunerado, foi defendida a ideia de
que, também no voluntariado, há um perfil certo e adequado ao trabalho a
realizar; da necessidade de gestão dos voluntários, quer na capacidade de dar
resposta a tantos pedidos/ofertas de pessoas que se disponibilizam para o
voluntariado, quer para o tempo envolvido na escolha criteriosa do perfil
necessário e certo. Foi igualmente identificada a necessidade emergente do
profissionalismo do voluntariado: assim como numa empresa, o voluntário deve
estar alinhado com a organização para a qual trabalha; e a obtenção de bons
resultados depende de uma boa organização, por parte das instituições, desse
trabalho voluntário.
Nesta sessão foram sumariamente apresentados quatro
diferentes projectos de voluntariado em Portugal, cada representado por um
testemunho. São esses: o Lançamento de uma plataforma inteligente de matching automático de voluntariado de
competências e organizações de carácter social[4],
pela Fundação Manuel Violante, previsto para 2016. Ainda em desenvolvimento,
tem como objectivo realizar a triagem de voluntários, a partir da inscrição de quem
se disponibiliza, com indicação do seu perfil e área em que pretende
desenvolver o voluntariado. A plataforma, através de um algoritmo, encontra a
combinação mais eficiente desse perfil e os lugares disponíveis de voluntariado.
O programa “Mais Valia”, um projecto da
Fundação Calouste Gulbenkian, em que indivíduos, já reformados, contribuem com
o seu conhecimento para o desenvolvimento de áreas de conhecimento específicas,
em regiões definidas de Países de Língua Portuguesa.
Um
projecto de re-habilitação urbana, fundado em 2010, por um arquitecto, e
denominado “Just a Change” que recupera casas de pessoas carenciadas. Conta com
duas pessoas remuneradas a tempo inteiro, e com os voluntários, incuindo todos
os tipos de voluntários, desde que possa, realizar trabalho físico. Este
projecto que é principalmente orientado para jovens universitários, tem tido
uma enorme adesão, e reconhece a preocupação dos jovens na construção de um
mundo melhor. Defende a importância da apresentação clara dos objectivos do
projecto e o que é pretendido dos voluntários.
A Associação Coração Amarelo, uma IPSS, com
15 anos de acção, que conta com quase 1000 voluntários, de 9 a 93 anos, cujo foco são os idosos, na luta
contra o isolamento dos mesmos. Tem grande impacto emocional no voluntariado, uma
vez que implica um envolvimento afectivo.
A terceira sessão com o tema “Voluntariado na
Europa – Oportunidades e desafios para o século XXI” levantou várias questões interessantes
em torno desse tema. Em particular foram referidos e desenvolvidos três apectos:
a celebração da contribuição dos Voluntários, a celebração da inovação inerente
ao trabalho voluntário e sugestões para colaborações Europeias. Para ilustrar a
contribuição dos Voluntários Europeus foi referido que se juntássemos todos os
voluntários da Europa num país, esse sería o maior país da Europa. A referência
da inovação pela procura de soluções criativas para lidar com os desafios das
nossas sociedades, foi ilustrada com o exemplo da wikipedia, como o maior
movimento voluntário mundial de partilha de conhecimento. Uma sugestão para
lidar com os desafios do voluntariado na Europa, e como forma de elevar o
voluntariado ao nível seguinte, centra-se na melhoria da vitalidade do
voluntariado no futuro. O Centro Europeu de Voluntariado identificou os 5R’s essenciais
à vitalidade do voluntariado: reconhecimento (melhores formas de reconhecer o
valor e contribuição dos voluntariados), valor real (encontrar melhores maneiras de medir o capital social),
regulação (necessidade de uma forma central de comunicar, discutir e trocar
ideias sobre o voluntariado na Europa), recursos (melhores formas de
investimento para o desenvolvimento do voluntariado no futuro) e refugiados
(providenciar melhores formas de integração dos refugiados e de participação
voluntária dos próprios refugiados). Esta sessão terminou com uma frase
inspiradora de Marguaret Mead[5] “never doubt the capacity of a group of individuals to change the
world” para ilustrar a força do voluntariado.
A conferência de forma clara, sucinta e
dinâmica conseguiu esclarecer alguns pontos, por vezes ambíguos, assim como
fazer um ponto da situação da importância, reconhecimento e significado do
Voluntariado em Portugal e na Europa. Transmitiu uma noção de seriedade, de
missão e de profissionalismo, partilhado por todos os intervenientes, e a
crença de que o voluntariado é e será um dos caminhos possíveis para a
resolução de alguns problemas específicos da sociedade.
As futuras capitais escolhidas, Londres em
2016 e Siglo em 2017, já foram anunciadas, a 4 de Dezembro, nos Paços do
Conselho, na cerimónia de encerramento de Lisboa Capital Europeia do
Voluntariado 2015[6].
[1] http://www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/lisboa-e-a-capital-europeia-do-voluntariado-2015
[2] Video disponível no seguinte link,
sob o título voluntariado: http://www.gulbenkian.pt/Institucional/pt/Fundacao/ProgramasGulbenkian/DesenvolvimentoHumano
[3] http://www.bcorporation.net/
[4] Resultante do “My Social Project”, informação do projecto: https://www.facebook.com/mysocialproject.org
[5] https://en.wikipedia.org/wiki/Margaret_Mead
[6]
http://www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/lisboa-capital-europeia-do-voluntariado-2015-passa-testemunho-a-londres-e-sligo
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