segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

"Quatro variações à volta de nada ou falar do que não tem nome"

         Nicolás Paris nasceu em 1977, em Bogotá, Colômbia, onde vive e trabalha. Tem obras nas colecções de museus como a Tate Modern, em Londres, ou o MoMA, em Nova Iorque. Foi artista residente na 30ª Bienal de São Paulo, em 2012. Em 2015, inaugurou duas exposições em Portugal –no Fórum Eugénio de Almeida, em Évora, e no Museu Colecção Berardo, em Lisboa. Ambas com curadoria e o timbre incontornável de Filipa Oliveira. A exposição no Museu Colecção Berardo tem como título «Quatro variações à volta de nada ou falar do que não tem nome». Qual o significado do título? À agência Lusa, o artista colombiano explicou que «falar do que não tem nome representa, na exposição, algo de novo, que está para surgir, e que vai resultar da interacção entre o público e as obras, do que daí poderá surgir». Será este o mote da exposição, as obras não como fim em si mesmas, produto acabado, mas como instrumento, meio, processo de criação de algo novo. As quatro variações à volta de nada exprimem-se em quatro salas que representam quatro conceitos: ferramenta, método, ideia e sistema. Aqui o visitante é convidado a participar com as suas próprias experiências e ideias: as obras de arte não são um produto, mas um processo de reflexão e uma ode às demais possibilidades. Nesta exposição apela-se à pergunta, à duvida, ao desaprender, a destruir, a construir, a caminhar, a recordar, a olhar, a ter voz dentro do museu. Na segunda sala, na qual é apresentado o “método”, testa-se o conceito do espaço de sala de aula. Com a ajuda de um texto de sala, podem ler-se conceitos referentes a cada obra/sala de aula.

 
 
Imagem 1 - Sala de aula para o erro

           Na imagem 1 pode ver-se o que parece um bicicleta quadrado e sei pedais, eis a sala de aula para o erro, na qual se propõe «o incorrecto, opções para falhar, possíveis caminhos para nos equivocarmos». Na imagem 2 pode ver-se parte da sala de aula para ler nas entrelinhas, em que se propõe ler e encontrar «o que está escondido, o que não se vê, a possibilidade». Entre estas duas salas de aula existe uma seta de madeira no chão, designada sala de aula para aprender a andar para trás, que nos sugere desaprender porque «avançar quase nunca é ir em frente». Paris tem o intuito de fazer do museu um espaço de partilha de experiências onde o conhecimento tem possibilidades de crescer, ir por vários caminhos, e é da responsabilidade de cada visitante. Assim, podemos entender e experimentar este trabalho de Nicolás Paris como um instrumento e uma ferramenta para o exercício do pensamento próprio.


Imagem 2 - Sala de aula para ler nas entrelinhas





quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Botânica I Vasco Araújo

Diana Cordeiro

Em Botânica, Vasco Araújo regressa à temática do colonialismo europeu e seus efeitos trágicos e duradouros. Através de um conjunto de 12 esculturas, o artista faz uma representação do "exótico" pela cultura colonial dos séculos XIX e XX
A instalação impressiona. Suas esculturas fotográficas com madeira e metal, são encaixadas sobre mesas de formatos variados e de diferentes dimensões. Logo de início somos atraídos para as belas folhagens tropicais de todos os tipos: bananeiras, palmeiras, raízes... Para criar essa atmosfera, o artista trabalhou com várias espécies botânicas exóticas do Brasil, das Índias e África, fotografadas nos jardins botânicos em Lisboa, Porto, Coimbra, e no Jardim Tropical de Belém. Este colorido fotográfico nos chama a atenção para algo de muito belo e radiante, mas aos poucos, ao explorarmos mais a obra, essa sensação vai se transformando, e de perto vamos percebendo a realidade de um período doloroso e que deixou muitas marcas.
As esculturas atravessam as mesas perfurando-as, como se fossem cortes de uma faca. Além das plantas exóticas, surgem também fotografias de arquivo, retratos de uma relação de racismo e descriminação entre os brancos ocidentais com negros e asiáticos, cenas tristes que vão saltando por trás das folhagens digitais.
Beleza e agressividade, leveza e densidade, o colorido forte das folhas em contraste com as fotos em tom sépia e preto e branco, quase sem cor, tudo isso emoldurado no tom escuro e sóbrio do móvel de madeira. Duas faces de um trabalho que nos confronta a todo o tempo e nos faz refletir e questionar sobre as relações humanas e sociais da nossa história. 

*Vasco Araújo Nasceu em Lisboa, em 1975, estudou Artes Plásticas na Maumaus, e Escultura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Participou também em exposições coletivas em São Paulo (28º Bienal, 2008), Cardiff (Wales Internacional Visual Art Exhibition and Prize, 2008), Houston (Museum of Fine Arts, 2007), Moscovo (1ª Bienal de Arte Contemporânea, 2005), Nova Iorque (Bard College, 2002) e Sydney (2002).

Botânica I Vasco Araújo - Fundação Calouste Gulbenkian




Vasco Araújo, Botânica, 2016. Esculturas Mesa de madeira, 21 fotografias digitais, 
molduras de madeira e metaL Dimensões: 60x110x120cm. 



Vasco Araújo, Botânica, 2016. Esculturas Mesa de madeira, 21 fotografias digitais,
molduras de madeira e metaL Dimensões: 100x100x120cm. 


Vasco Araújo, Botânica, 2016. Esculturas  Mesa de madeira, 15 fotografias digitais,
molduras de madeira e meta, 15 Digital. Dimensões: 100x100x120cm








sábado, 9 de janeiro de 2016

Um Museu Entre As Árvores


Um Museu Entre As Árvores                                                           

Uma Coleção Naturalista e o Diálogo Com a Arte Contemporânea




Manhã de domingo, chuvosa e fria, capaz de desencorajar quem decida ir até ao Museu Malhoa, escondido entre as árvores húmidas e o jardim desolado, invernoso. No entanto, a experiência revela-se muito agradável.  Depois do passeio pelo parque, da observação da natureza quieta, o museu, edifício de influência modernista e o primeiro em Portugal a ser projetado de raiz para esse fim, proporciona-nos o aconchego íntimo dos espaços pequenos, “o lugar de encontro com a pintura de Malhoa e com uma época da cultura portuguesa, um museu do naturalismo português”, (COUTO, 2005).
            Percorrendo as salas que se organizam à volta do claustro quadrangular, perdemo-nos na admiração de obras de uma importante coleção de pintura e escultura dos séculos XIX e XX a que se junta, da mesma época, o desenho, a medalhística e a cerâmica das Caldas da Rainha, - centrada, esta última, na criatividade de Rafael Bordalo Pinheiro.
A coleção de pintura possibilita-nos uma alusão ao romantismo tardio, com as obras de Tomáz da Anunciação (1818-1879), Miguel Ângelo Lupi (1826-1883) e Joaquim Prieto (1833-1907), cuja “ Paisagem”(1868) delicada, com tons dourados e distantes tons azulados, nos fica no olhar. Ou a pequeníssima tábua de “Marinha” (s.d.) (1), que revela uma sensibilidade extraordinária no tratamento das claridades que aparecem já com apontamentos naturalistas.



                                          1. Alfredo Keil, Marinha, s.d., óleo s/ madeira, 11,1x16,3 cm.




                                          2. José Malhoa, Conversa com o Vizinho, 1932, óleo s/ tela, 31x27,5 cm.

Marques de Oliveira (1853-1927) e Silva Porto (1850-93) protagonizam a introdução do naturalismo em Portugal. Em torno deste último reúne-se o “ Grupo do Leão", representado, no Museu, além de Malhoa (1855-1933), por pintores como Columbano ( 1857-1929), António Ramalho (1859-1916), João Vaz (1859-1931), Moura Girão (1840- 1916), Henrique Pinto (1853-1912), Ribeiro Cristino ( 1858-1948) e Rodrigues Vieira (1856-1898).
Na sala dedicada a José Malhoa, a maior e mais imponente, é-nos possível apreciar obras várias, que incluem “Retrato de Laura Sauvinet” (1888), “Nuvens” (1915), “Primavera” (1932), ou “Conversa com o vizinho” (1932) (2), onde a transição plástica do ambiente de interior para a paisagem envolvente é tratada através da figura feminina, que recebe e reflete os efeitos de luz no rosto, no vestuário e no panejamento que se encontra à janela.
Ainda da primeira geração naturalista, os dois pastéis de Sousa Pinto (1856-1939) “ Pinhal do Parque” e “Águas Santas”, ambos de 1917, fixam trechos de Caldas da Rainha, obtendo efeitos de luz através de um completo domínio da técnica. Sucedem-se José de Brito (1855-1946), Condeixa (1857-1933) e Carlos Reis (1863-1940), que influenciam a segunda geração naturalista, tal como Veloso Salgado (1864-1945), Luciano Freire (1864-1935) e Joaquim Lopes (1886-1956). Joaquim Lopes, por exemplo, oferece-nos uma cuidada composição, tirando partido do cromatismo dos motivos, espelhada em “ Sol da tarde. Veiga da Urgeira” (1941). Outras obras, igualmente importantes, de artistas da segunda geração naturalista e pertencentes ao “Grupo Ar Livre” (1910-1927) e ao “Grupo Silva Porto” fazem ainda parte da coleção.
Das experiências modernistas destacam-se os nomes de Dordio Gomes (1890-1976), Abel Manta (1888-1982) e Eduardo Viana (1881-1967) (3), com uma lindíssima “Composição” (1947), de linguagem figurativa e rico cromatismo onde se destacam os contrastes de complementares.




                                                      3. Eduardo Viana, Composição, 1947, óleo s/ tela, 99x79 cm.
                             
                                                         

                                                      4. Régis Perray, La Decouverte du Portugal, 2013, Instalação.




Em duas salas mais pequenas, mais discretas mas nem por isso menos encantadoras, encontramos os desenhos, aguarelas e gravuras que fazem parte do acervo do museu. Nestas salas ver-se-ão obras do período romântico ao contemporâneo, imperando a produção naturalista. A expressividade, no uso do carvão, da sanguínea e do pastel, acentua-se na proximidade que temos com os trabalhos. De facto, é-nos possível sentir a fluidez, a velocidade do traço e o rigor aquando da observação da luz, tão presente nos desenhos de Malhoa, tal como conseguimos, no caso das aguarelas, apreciar o pormenor das manchas diluídas na aguada que se estende à neblina matinal da paisagem do “Caramulo” (1942), de António Cruz.
Em todas as salas, num original diálogo com as obras da coleção permanente, vamos encontrando peças de arte contemporânea. O projeto, denominado Matriz Malhoa, comemora os 160 anos do nascimento do pintor José Malhoa e os 25 anos da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha. Com a duração de um ano, a programação vai de 28 de Abril de 2015 até 28 de Abril de 2016, com novas obras a serem apresentadas no final de cada mês. Obras de Regis Perray, artista francês (cortesia do Projeto Travessa da Ermida), Joana Roberto e João Belga, artistas portugueses, - este último a trabalhar nas Caldas da Rainha -, iniciaram o ciclo de exposições. Seguiram-se-lhes Nuno Fragata, Samuel Rama, Pedro Bernardo, Luís Alegre, Catarina Leitão e Luís Freire. No final realizar-se-á uma exposição coletiva com as intervenções de todos os artistas, consagrados e emergentes, que participaram no projeto, incluindo alunos e professores da ESAD.
Regis Perray, na obra “La Decouverte du Portugal” (2013) (4), pegou em pedras do chão da cidade de Lisboa, colocou-lhes sal por cima e depois azulejos de séries únicas e últimas da fábrica Pedrita. Esta fábrica foi criada por professores da ESAD e criou azulejos com reminiscências em diferentes séculos e nos quais foram usadas várias técnicas.
Da exposição Matriz Malhoa existe, à entrada do Museu, um dossier onde as sucessivas informações sobre os artistas e a sua obra se vão reunindo, a par da chegada das peças. A coleção permanente é merecedora de um desdobrável que contém as informações essenciais, tal como a planta do Museu. É urgente editar novos roteiros, - que, de momento, existem apenas em língua inglesa-, pois estes constituem, a meu ver, um apoio extremamente importante para os visitantes.
Saídos do museu, de volta ao parque Dom Carlos I, na envolvência do jardim, continuamos a visita, desejando encontrar as peças da coleção permanente, de “Escultura ao Ar Livre”,  e as da exposição temporária que o vão habitando.  


Referências Bibliográficas


COUTO, Matilde Tomaz do ( coord.), Museu de José Malhoa – Roteiro, 1ª edição, Instituto Português de Museus, 2005.

FRANÇA, José Augusto, A Arte em Portugal no Século XIX, 2ª edição, Lisboa, Livraria Bertrand Editora, 1981.

Matriz Malhoa – Um Ano de Arte Contemporânea no Museu (8-5-2015). Consultado a 1 de dezembro de 2015, em http://www.gazetacaldas.com/48732/matriz-malhoa-um-ano-de-arte-contemporanea-no-museu/







sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Star Wars - O Despertar da Força

Star Wars - O Despertar da Força
  


“Star Wars - the Force Awakens”, (em Português, “Star Wars – O Despertar da Força”) foi um dos filmes mais aguardados de 2015, para não dizer, um dos filmes mais aguardados de sempre, pelas audiências de todo o mundo.
Em 1977, quando estreou “Star Wars”, o filme que deu início à saga, o sucesso foi completamente sem precedentes. Nas palavras de George Lucas, a “Guerra das Estrelas” é uma “Space soap opera” para toda a família. Pais e filhos foram juntos assistir às aventuras de Luke Skywalker, e seus companheiros, (humanos, andróides e extra-terrestres) na sua luta do bem contra o mal, ou do lado bom contra o lado negro da “Força”. Aliando uma estória simples, mas bem construída, a uma produção megalómana, com uma imagem e som deslumbrantes e efeitos especiais absolutamente inovadores, toda uma geração cresceu, aguardando com ansiedade pelo próximo episódio, em que mais mistérios seriam revelados.
A saga de “Star Wars”, foi criada em 1977 por George Lucas, com o episódio IV da saga. Seguiram-se os episódios V e VI em 1980 e 1983, respectivamente.  Tendo sido desde o início pensada como um conjunto de 3 trilogias de filmes, Lucas produziu a 2ª trilogia (episódios I, II, e III) nos anos de 1999, 2002, 2005. E depois de um interregno de 10 anos, finalmente surgiu em 2015 “Star Wars - the Force Awakens”, a que se deverão seguir os 2 episódios que concluirão a série.

Após o relativo insucesso dos episódios I, II e III, em que a dolorosamente sofrível realização de George Lucas parecia ter apenas como objectivo inventar bonecos e situações para alimentar jogos de video, mantendo as personagens dos filmes à deriva num mar de pretextos para produzir merchandise em quantidades industriais, a Disney inicia negociações para adquirir a totalidade dos direitos sobre a saga “Star Wars” e todos os seus personagens e storylines. Essa negociação conclui-se em 2011, e imediatamente se começam a elaborar os preparativos para produzir a terceira trilogia da saga.
J.J Abrams foi a escolha da Disney (sancionada por Lucas) para dar nova vida à saga. O reconhecido realizador de “Super 8”, é considerado por muitos como o digno sucessor da geração de Lucas e Spielberg, e surge assim, como o prometido salvador da série, e sobretudo como aquele que poderá devolver a estória às pessoas, e a toda uma nova geração de espectadores de cinema.
No entanto, “Star Wars – The Force Awakens” é apesar disto, um filme que cumpre a sua função, mas sem brilho. A realização é eficaz, mas falta-lhe convicção e parece seguir o argumento sem questionar se os caminhos que a estória percorre terão já sido demasiado calcorreados no passado.
J.J. Abrams parece ter receio de sair do território muito familiar da estória da saga, cumprindo a encomenda que a Disney lhe fez, mas sem arriscar em nada, e por isso, sem tornar o filme verdadeiramente seu.

Lawrence Kasdan, que escreveu no passado o argumento do melhor filme da série, “Empire Strikes Back”, foi de novo chamado para escrever o argumento de “Star Wars – The Force Awakens”, mas a estória parece repetir, quase ponto por ponto, a estória da 1ª trilogia (episódios IV, V e VI) da “Guerra das Estrelas”, parecendo quase um remake.
O filme estabelece um paralelo entre esses episódios e esta nova trilogia que se inicia, e essa ponte funciona muito bem. O argumento tem piscadelas de olho constantes, dirigidas aos espectadores, com referências aos filmes anteriores (por exemplo, a Millennium Falcon, e o jogo de “xadrez intergaláctico”).
A articulação entre os actores originais da saga, e os actores que interpretam as novas personagens funciona bastante bem. A aposta nos novos actores, os jovens Daisy Ridley (Rey), Adam Driver (Kylo Ren) e John Boyega (Finn) foi muito boa. Qualquer um deles faz um bom papel, e conseguem dar uma dimensão mais humana às personagens muito bidemensionais que interpretam, fazendo até empalidecer os actores mais velhos que, em comparação, parecem (sejamos honestos) bastante canastrões.
No entanto, a sequência final, em que voltamos a ver Mark Hamill no papel de Luke Skywalker, depois de ter sido criada ao longo do filme (e fora dele) uma enorme expectativa em relação a esse reencontro, é para mim o melhor final possível para o filme, e este não poderia (nem deveria!) terminar de nenhuma outra maneira.
E a melhor coisa do filme, será sem dúvida a introdução da personagem do robot BB-8! Este é uma personagem deliciosa, e onde a Disney terá investido muito na sua criação e desenvolvimento, já a prever as novas receitas de merchandise relacionadas com BB-8. Mas é sem dúvida uma maravilhosa adição à galeria de personagens de Star Wars!
As coreografias das lutas com os sabres de luz, deixam um pouco a desejar, e sabemos que, depois de já termos visto Samuel L. Jackson com um sabre de luz em punho, a fasquia é muito elevada, mas esperávamos melhor...
No geral, os efeitos visuais e sonoros continuam técnicamente irrepreensíveis, mas nem estes nos arrebatam: Ben Burtt, responsável pelos efeitos sonoros, e um dos melhores sound designers de todos os tempos, assina uma banda sonora funcional, mas sem o amor que sentimos ter dedicado aos personagens de “Star Wars”, no início da saga, ou mais recentemente, a “Wall-E”.
John Williams repete a receita da música para esta banda sonora original, recheada de temas e leit-motivs que remetem para anteriores episódios da série, mas, mais uma vez, e em sintonia com todo o resto do filme, também a música não nos impressiona, parecendo limitar-se a repetir a receita já anteriormente testada e comprovada.
Não posso falar dos efeitos 3D, já que a exibição que vi era de uma cópia 2D, com muita pena minha... No próximo episódio, pode ser que já consiga assistir à versão para IMAX!
Em conclusão, o filme “Star Wars – The Force Awakens” desilude bastante. Talvez as expectativas sejam demasiado altas para um filme que está tão enraizado no imaginário colectivo de todos nós. Mas a verdade é que J.J. Abrams realizou um filme em que todos esperávamos ter sido surpreendidos e arrebatados e deslumbrados, mas de onde, ao contrário, saímos com a sensação, de já todos termos visto antes este filme.



Mafalda Roma, Nº8731
Cultura Visual
FBAUL / MEA

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Museu Diocesano de Santarém

Museu Diocesano de Santarém



Inaugurado em 12 de setembro de 2014, este recente museu está integrado no complexo arquitetónico da Sé de Santarém e no projeto nacional “Rota das Catedrais”.
O edifício onde está instalado começou por ser Paço Real, depois colégio Jesuíta e mais tarde Seminário do Patriarcado de Lisboa. Na ala norte, o espaço da antiga portaria, da livraria e da sala anexa foi recuperado e dá agora lugar às salas do museu, onde mais de uma centena de peças escultóricas, de pintura, de azulejaria, recuperados, restaurados e oriundos de diversas paróquias da diocese, permitem a contemplação dos mistérios da fé cristã do povo ribatejano.
Foi distinguido pela Fundação Calouste Gulbenkian com o prémio Vilalva 2014, tendo o júri destacado a importância cultural do projeto, que passou pela recuperação de centenas de obras de arte sacra e do próprio complexo da catedral da cidade.

A entrada do museu faz-se pela porta Norte dando acesso à bilheteira e loja, sendo depois o itinerário sugerido pelo seguimento de uma planta do espaço a visitar. Saindo da loja vamos ter ao “Pátio da Cisterna” onde uma palmeira esguia nos conduz o olhar para o céu azul que encima o edifício, dando-nos o mote para a elevação do espírito e entrada noutra dimensão. 
                                                                                                                                                             
No canto oposto abrimos uma porta e somos recebidos num espaço onde a música sacra nos envolve e cria um ambiente acolhedor que nos convida à calma, reflexão e interioridade e é nesta Sala “do Poço” (descoberto aquando das obras de restauro do edifício) que “mergulhamos” na fruição de um património singular. À nossa direita temos a primeira obra “Santíssima Trindade”, pintura a óleo sobre tela da oficina portuguesa (Lisboa) séc. XVIII (primeira metade) que nos impressiona pela sua grandiosidade tanto de forma como de cor.










Passando à sala “Uma Mulher Bela” temos à esquerda o retábulo da” Imaculada Conceição”, em madeira entalhada e policromada, escultura anónima, de vulto, do séc. XVII (segunda metade), com o tema secundário: Mártires de Marrocos, e olhando para a figura da Imaculada Conceição percebemos o porquê do nome da sala, ela é de uma beleza e doçura que nos leva a parar, contemplar e voltar atrás para a voltarmos a ver de novo.



Junto, uma (das várias) escultura(s) anónimas da “Santíssima Trindade”, em calcário bege, séc. XVI (primeira metade), bem como a pintura “Anunciação” a têmpera e douradura sobre carvalho, anónima, séc. XVI (finais) e ainda esculturas de “Santa Ana educando a Virgem Santa Maria”, anónima, em calcário policromado, séc. XV e “São Mateus, apóstolo e evangelista” e “Santa Maria e São José” (presépio) do séc. XVIII.






Na sala “Do Silêncio à Luz” o tema principal das pinturas e esculturas é a Paixão de Cristo. No meio da sala, um banco permite que nos sentemos e observemos o grande painel de azulejos “Queda de Jesus a caminho do calvário”. 




Duas esculturas de Nossa Senhora da Piedade ladeiam a escultura em tamanho natural de Jesus morto, sendo esta obra impressionante mas dolorosa de ver dado o seu realismo.
Na extremidade esquerda da sala temos três grandes pinturas com a visão de São João Evangelista na ilha de Patmos.


Passando à sala “Tantas Vidas” dois quadros pintados a óleo de “São Lourenço perante o Imperador” e o “Martírio de São Lourenço” e ainda vários relicários destacando-se o “Santo Lenho” e “Mão de São Brás”, bem como esculturas de Santa Iria, Santo António, São Francisco, Santa Clara e São Bernardo de Claraval.




















Em seguida entramos no Refeitório “Jesuíta” onde nos chama a atenção toda a azulejaria que a circunda, bem como a arquitetura do espaço e onde se encontra uma exposição temporária (8 dez 2015 a 19 mar 2016) sobre as comemorações dos 750 anos da morte de São Frei Gil de Santarém.


Do refeitório passa-se pelo corredor “Manuelino” que tem “figuras” com vestuário e algumas vitrinas com cerâmica, mas sem qualquer identificação e daí passamos novamente para o pátio da Cisterna, donde temos acesso à Sacristia, que ainda é utilizada, onde o sacristão arrumava as vestes sacerdotais e os utensílios usados na missa da manhã, tendo-nos recebido com simpatia e manifestando agrado pela nossa visita e interesse.

Depois a entrada na Catedral, construída no séc. XVII é considerada “majestosa” e coroada por magníficos tetos pintados a óleo sobre madeira de carvalho, sendo a figura central a “Imaculada Conceição” atribuída a António Machado sapeiro séc. XVIII c. 1715, tem ainda oito capelas laterais e uma riquíssima capela-mor, com um retábulo de admiráveis embutidos de pedraria policroma. De salientar o altar lateral de Nossa Senhora da Boa Morte, um trabalho em mármore do escultor António Bellini de Pádua.


Ao lado do altar-mor, no sacrário, temos mais um espaço com a luz coada por um vitral, onde nos podemos sentar e refletir, longe do bulício da cidade.

Para finalizar a visita, que já vai perto das três horas, voltamos à loja por uma porta lateral da igreja para comprar alguma literatura de interesse e ainda algumas recordações deste espaço que tão bem nos recebeu, como a “Dezena da Catedral” que nos oferece um imagem da padroeira da diocese “Imaculada Conceição” e uma prece: 

"À vossa proteção nos acolhemos,
Santa Mãe de Deus.
Não desprezeis as nossas súplicas
Em nossas necessidades;
Mas livrai-nos de todos os perigos,
Ó Virgem gloriosa e bendita."





Bibliografia

ALMEIDA, Duarte Álvaro; BELO, Duarte (coord.) - Portugal Património- volume VI, (2007) Círculo de Leitores, 12 volumes.
NEWALL, Diana – Compreender a Arte, Lisboa (2008) Editorial Estampa.
SALDANHA, Sandra Costa (coord.) – Guia de Boas Práticas de Interpretação do Património Religioso, (2014) Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja/Turismo de Portugal.


Texto e Imagens 

Maria Ana Guerreiro Botelho

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Maria Matos Teatro Municipal | Culturgest. "Nenhuma entrada entrem" - Projeto Teatral - Von Calhau!


Von Calhau! é um casal artista, Marta Baptista e João Alves, que trabalha várias áreas como a música, as artes visuais e o filme. O seu percurso incide basicamente em projetos performativos e expositivos como pude ver na exposição, Projeto Teatral no passado mês de Dezembro na Culturgest em Lisboa, acompanhada de um grupo de crianças com idades entre os 8 e os 9 anos de idade.
O início da exposição, guiada, começou com a apresentação do orador e algumas perguntas ao grupo numa conversa em tom informal sobre como seria ver uma exposição. Após as respostas foi feita uma espécie de apresentação/preparação ao que iríamos ver nas galerias criando um sentimento expectante em todos nós. As peças estavam divididas em várias salas escuras com alguns apontamentos de luz. A exposição era composta por elementos esculturais mas também por desenho, projeção de vídeo e som com o objetivo principal de os artistas quererem colocar o universo do teatro num universo de galeria, convidando assim o público, atores e atrizes a assistir e a participar. Quiseram tirar o teatro do teatro. 

“Os atores e atrizes são as pessoas que passam aqui” (grupo de crianças, 2015).


[…] As sucessivas propostas deste coletivo vão dando corpo a um pensamento acerca da condição do teatro, dos seus fundamentos. Elas dispensam ou põe em questão, as convenções teatrais; nessa medida desafiam hábitos e expectativas que lhe estão associados. Muitas das obras passam pela ausência de elementos tradicionalmente entendidos como constituintes do teatro: ausência do autor, ausência da voz, ausência do texto. (curadoria projeto teatral, 2015).



Nas salas principais e onde é mais evidente este conceito, podemos ver o “Moinho” (fig.1) construído com farinha que representava um palco. “Porque é que a farinha era amarela?” (tinha uma luz a incidir), “Parecia uma roda gigante feita de pasta “, “Era um monte de farinha” (grupo de crianças, 2015).





Figura 1- Alex, Moinho, 2015.
Fonte:
http://primeiraavenida.blogspot.pt/2015/12/projecto-teatral-culturgest-lisbon.html



A peça “Imaginação morta imaginem”, constituída por uma aparelhagem com a reprodução de um disco de vinil, deu asas a um grande debate entre o grupo pois muitos não sabiam o que era e para que servia. “ O disco que ouvimos representa uma peça. O som faz parte de uma obra” (orador, 2015). Numa sala grande e vazia estava a peça “Vazio do teatro” que é composta por caixas retangulares feitas de pedra e terra pintadas de branco no interior (fig.2). 



Figura 2- Alex, Vazio do teatro, 2015.
Fonte: http://primeiraavenida.blogspot.pt/2015/12/projecto-teatral-culturgest-lisbon.html


Nesta sala foi-nos pedido que entrássemos um a um e que nos colocássemos num local à nossa escolha. Foi interessante observar a ocupação do espaço, num espaço livre. Uma vez mais faz-se uma comparação aos atores e às decisões destes quando escolhem o lugar no palco onde querem estar, fazendo com que constantemente rompêssemos o espaço, construindo um universo próprio. 
Após a leitura da exposição o grupo juntou-se no átrio para debater os temas abordados e fazer intervenções finais sobre aquelas peças.

Trata-se de um projeto complexo por abordar a criação artística contemporânea tendo sido proposto ao orador, fazer uma explicação clara da mesma a um grupo de crianças. Este facto pode, muitas vezes, ser facilitador por se tratarem de crianças sem pré conceitos (fig.3).



Figura 3- Grupo de crianças, 2015

No geral considerei a exposição interessante como espectadora, no entanto, como espectadora/professora constatei que poderiam haver mais formas interessantes de explorar o projeto a nível plástico e não só numa abordagem a nível teórico. Pessoalmente as expectativas iniciais não foram correspondidas na totalidade, talvez por ter criado uma ideia errada do que possivelmente iríamos ver, não se verificando o mesmo nas crianças quando questionadas sobre o projeto. Provavelmente, devido a barreiras e abordagens pessoais, inconscientemente criadas. Por fim, um espaço como o Museu que deveria ser livre, como é tida em conta na própria mensagem que os artistas tentam transmitir com o seu projeto, não o foi, criando-se em relação ao grupo, momentos de tensão e rigidez desnecessários no que diz respeito ao comportamento e maneiras de estar do grupo.



Referências

Projeto Teatral, Curadoria (2015) Nenhuma entrada entrem, Projeto Teatral, Culturgest, Maria Matos Teatro Municipal. Lisboa [Consultado a 29/12/15] Disponível em, http://www.projectoteatral.pt/ 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O Papel do Voluntariado no séc.XXI



Programa detalhado e Conferência visualizável através do link:

A Câmara Municipal de Lisboa candidatou-se e foi escolhida, por um juri internacional, como Capital Europeia do Voluntariado, em 2015, com o principal objectivo de promoção do Voluntariado a nível das políticas locais[1]. Na sequência de uma série de iniciativas, a Câmara desafiou a Gulbenkian a realizar esta conferência, que decorreu na tarde de 25 de Novembro de 2015, no Auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian. Assumindo um carácter de debate, esta conferência propõe-se a fazer uma avaliação do papel do voluntariado no século vinte e um, e a afirmar o voluntariado como forma inquestionável de participação activa na sociedade civil. Na abertura da conferência foi apresentado um video, com testemunhos de voluntários, que mesmo sendo curto nos mostra a diversidade de opiniões, em torno de quatro questões: o que é ser voluntário, o valor, desafios e tendências do voluntariado (este video está disponível para ser ser visualizado no site da Fundação[2]). Estes temas foram, igualmente, o ponto de partida de cada uma das três sessões da conferência para especulação sobre o futuro do voluntariado. 
A afluência poderá ter sido superior à esperada, uma vez que os lugares do Auditório 3 não foram suficientes para albergar todos.

Na primeira sessão sobre o Valor do voluntariado foi-nos explicado que este tema tinha sido subdividido em: valor pessoal, valor social e valor económico; distribuído por três grupos, cada liderado por uma personalidade convidada, de três diferentes consultoras, Mercer, Accenture, e McKinsey, respectivamente. Infelizmente não nos foi esclarecido como foram escolhidos os intervenientes de cada grupo, nem se foi um encontro pontual, ou resultado de diversos encontros; apenas nos foi referido que faziam parte desses grupos líderes de organizações sociais. Da troca de ideias, que havia ocorrido nessa mesma manhã, foi-nos partihada uma dúvida fundamental, quase contraditória com o propósito da própria conferência: se é ou não legítimo apurar esses mesmos valores. Consideraram que o grande desafio actual é a medição do voluntariado e sugeriram uma medição indirecta, a partir do impacto social causado, para posterior conversão em impacto económico.
O grupo do valor social sentiu a necessidade de começar por identificar os valores do voluntariado, para posteriormente poder definir o valor social do mesmo. E estes incluem: exercício de cidadania, economia de partilha de valor, que mais contribui para a economia convergente, confiança, valor partilhado, linguagem comum, exercício de vontade em liberdade, promover valor acrescentado, inclusão social... Mas também identificaram os valores do voluntariado, que consideraram preversos: para enriquecer o currículo, por caridade, como uma terapia, porque se encontra desocupado.
Quanto à forma de medida indirecta, a partir do impacto, é feita através das pessoas que beneficiam, e do que o grupo definiu como os 4 C´s: confiança, capacitação, conhecimento e convergência. Sugeriram que as organizações deveríam definir os seus planos, tendo por base cinco propósitos, reunidos em 5P´s: poucos, práticos, possíveis, progressivos e partilhados. Não foi acrescentada qualquer informação sobre a implementação, quer dos 4C’s, quer dos 5R’s.
Foi referido, de forma sucinta, o envolvimento das empresas no Voluntariado, em duas diferentes vertentes; uma directa e outra indirecta. Como participação directa, foi dado o exemplo das empresas que se submetem à certificação do B Corporation[3], em que a partir do seu negócio praticam a solidariedade. No formato indirecto, as empresas  promovem a acção do voluntariado, pelo desafio que lançam ao seus trabalhadores, incutindo o gosto de servir, em acções de voluntariado exteriores à empresa.
O debate do valor pessoal centrou-se em três questões: o perfil do voluntário, o voluntariado no sistema de ensino e o voluntariado como forma de desenvolvimento de competências. Contráriamente à conclusão do grupo anterior, este grupo assume o voluntariado como uma troca: o voluntário por amor, de forma espontânea e altruísta, exercício de cidadania, mas que também, e assumidamente, recebe, satisfazendo necessidades pessoais, respondendo a motivações “egoístas”, tais como a tristeza, a solidão, a velhice, instrumentalizado como terapia, etc. Não obstante, para este grupo, servir como voluntário implica compromisso e disponibilidade por parte do mesmo. A discussão sobre se o voluntariado deveria ou não ser incluído no ensino formal, de que forma, em que altura, e se as horas exercidas deveriam ser remuneradas, por exemplo, por conversão em créditos curriculares, foi mais acesa e não consensual. Consensual foi apenas a inclusão do voluntariado no ensino, no 1º e 2º ciclo com carácter obrigatório e formatado, e na universidade sem carácter obrigatório. Infelizmente este debate (do voluntariado no ensino), mesmo sendo um debate actual e necessário, foi remetido para um futuro próximo por falta de tempo. Penso que será realmente necessário esclarecer a motivação da inclusão do voluntariado no ensino, uma vez que as Escolas já desenvolvem e promovem diversos projectos para uma cidadania activa, com o intuito de fomentar a participação dos jovens na sociedade civil. E de que forma essa inclusão realmente acrescenta algo ao foco e atenção já actualmente dada na Educação Formal. Deveria ser questionado até, se esse carácter obrigatório sugerido, não contradiz a definição de base do voluntariado, isto é, o indivíduo disponibilizar-se de livre e espontânea vontade para ajudar. E igualmente ponderado se esse “voluntariado à força” conduzirá a jovens mais sensíveis às necessidades dos outros ou se, pelo contrário, esse carácter obrigatório os afastará, por contrariedade. Da mesma forma é preciso ter em consideração que, ao incluir o voluntariado nas Faculdades, com horas de voluntariado convertidas em créditos (seja ou não obrigatório), poderemos estar a adulterar a motivação desse acto altruísta: em vez de “aprender a dar” o aluno poderá ficar mais preocupado com a “remuneração do acto de dar”, reflectida numa melhor avaliação e melhor currículo (mesmo tendo em conta o carácter de troca do voluntariado). Devemos equacionar se com a remuneração por créditos não estamos, de certa forma, a promover a ideia de que vale a pena dar, se se receber algo quantificável. Sou da opinião que se se integrar uma componente obrigatória nas Escolas, qualquer que seja o nível de ensino em consideração, se denomine “Participação Cívica” ou  “Cidadania Activa”, em vez de “Voluntariado”, não só pela ambiguidade do carácter obrigatório, já referido, e as questões que o mesmo levanta, mas também pela relevância do espectro abrangente da Solidariedade. No sentido em que se só considerarmos o Voluntariado como A forma de participação cívica e activa na sociedade, poderemos estar a alimentar a ideia de que muitas outras formas de ajudar, nomeadamente ajudar conhecidos, é menos importante que ajudar desconhecidos. Da mesma forma poderemos estar a incutir a ideia de que ajudar pessoas em condições desfavorecidas é mais relevante do que ajudar alguém, como por exemplo um colega de turma. Acredito que uma forma abrangente de promoção do exercício do civismo é mais inclusiva e expressiva da diversidade existente de formas de dar numa sociedade.
Quanto às competências é confirmado por este grupo de discussão, que no exercício do voluntariado são desenvolvidas diversas competências, vistas como transferíveis para outros desempenhos, nomeadamente: liderança, gestão de tempo, gestão de conflitos e resiliência. E o voluntariado no currículo como  factor de descriminação positiva, abrangentemente valorizado, apesar de não ser necessariamente compreendido por todas as organizações. Parece-me  importante questionar se ao remunerarmos com créditos o Voluntariado Académico, não estamos a desvirtuar o elemento diferenciador do voluntariado no currículo. Isto é, num processo de recrutamento poder-se-á destinguir a motivação que deu lugar à participação no voluntariado? Se apenas para um enriquecimento de currículo, se pelo gosto de ajudar os outros, ou até por uma combinação destes dois motivos? Será a motivação um factor suficientemente relevante e importante no recrutamento?
O grupo que debateu o Valor económico considerou inquestionável o facto de o voluntariado acrescentar valor, e informou que a estimativa desse valor em Portugal é de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), valor este que poderá estar subestimado. Independentemente do número exacto para Portugal, este valor coloca-nos no penúltimo lugar do ranking dos Países Europeus. O valor mais elevado estimado na Europa é de 11% do PIB, fazendo-nos então questionar se a razão de um valor tão baixo no nosso país, se deve a factores culturais, e acalentando-nos a ideia de que poderemos chegar a mais pessoas se aumentarmos o valor do voluntariado em Portugal. Este grupo debateu igualmente a questão se o trabalho voluntário substitui o trabalho remunerado, questão essa que não parece levantar grandes problemas, sendo consensual que não competem, e que são até efectivamente actividades complementares.
Na segunda sessão que tinha como tema “o Futuro do Voluntariado: tendências e desafios”, foram respondidas algumas das questões colocadas na sessão anterior. Tais como: a criação de um selo, pela Confederação Portuguesa de Voluntariado, para atribuição de estrelas a ONG´s,  IPSS, e associações que trabalham com voluntariados, com o intuito de reconhecer a verdadeira contribuição destas organizações, e para destinguir de outras organizações, que de forma abusiva, usam voluntários, em vez de trabalhadores remunerados. Também como contraponto, do facto de Portugal ser o penúltimo país no ranking  Europeu, referido igualmente no painel anterior, foi-nos informado que: no Ano Europeu do Voluntariado, em 2011, foram realizadas em Portugal 19 grandes feiras, enquanto que a média Europeia foi de uma feira por ano; que em Portugal não se contabiliza certas acções de Voluntariado, tais como as Associações de pais, alguns corpos de Escuteiros, etc, enquanto que noutros países essas associações são contabilizadas; e que no nosso País não faltam pessoas interessadas e a oferecerem-se como voluntários.
O principal problema actualmente, não se prende com a mobilização da sociedade civil, mas antes com o encontro entre quem se disponibiliza para o voluntariado e a necessidade das organizações. Surgem dificuldades específicas,  tais como: as pessoas que se querem oferecer como voluntárias não saberem a quem se devem dirigir; o problema das organizações em encontrarem o voluntário certo, comparado ao recrutamento para um trabalho remunerado, foi defendida a ideia de que, também no voluntariado, há um perfil certo e adequado ao trabalho a realizar; da necessidade de gestão dos voluntários, quer na capacidade de dar resposta a tantos pedidos/ofertas de pessoas que se disponibilizam para o voluntariado, quer para o tempo envolvido na escolha criteriosa do perfil necessário e certo. Foi igualmente identificada a necessidade emergente do profissionalismo do voluntariado: assim como numa empresa, o voluntário deve estar alinhado com a organização para a qual trabalha; e a obtenção de bons resultados depende de uma boa organização, por parte das instituições, desse trabalho voluntário.

Nesta sessão foram sumariamente apresentados quatro diferentes projectos de voluntariado em Portugal, cada representado por um testemunho. São esses: o Lançamento de uma plataforma inteligente de matching automático de voluntariado de competências e organizações de carácter social[4], pela Fundação Manuel Violante, previsto para 2016. Ainda em desenvolvimento, tem como objectivo realizar a triagem de voluntários, a partir da inscrição de quem se disponibiliza, com indicação do seu perfil e área em que pretende desenvolver o voluntariado. A plataforma, através de um algoritmo, encontra a combinação mais eficiente desse perfil e os lugares disponíveis de voluntariado.
O programa “Mais Valia”, um projecto da Fundação Calouste Gulbenkian, em que indivíduos, já reformados, contribuem com o seu conhecimento para o desenvolvimento de áreas de conhecimento específicas, em regiões definidas de Países de Língua Portuguesa.
 Um projecto de re-habilitação urbana, fundado em 2010, por um arquitecto, e denominado “Just a Change” que recupera casas de pessoas carenciadas. Conta com duas pessoas remuneradas a tempo inteiro, e com os voluntários, incuindo todos os tipos de voluntários, desde que possa, realizar trabalho físico. Este projecto que é principalmente orientado para jovens universitários, tem tido uma enorme adesão, e reconhece a preocupação dos jovens na construção de um mundo melhor. Defende a importância da apresentação clara dos objectivos do projecto e o que é pretendido dos voluntários.
A Associação Coração Amarelo, uma IPSS, com 15 anos de acção, que conta com quase 1000 voluntários, de 9  a 93 anos, cujo foco são os idosos, na luta contra o isolamento dos mesmos. Tem grande impacto emocional no voluntariado, uma vez que implica um envolvimento afectivo.
A terceira sessão com o tema “Voluntariado na Europa – Oportunidades e desafios para o século XXI” levantou várias questões interessantes em torno desse tema. Em particular foram referidos e desenvolvidos três apectos: a celebração da contribuição dos Voluntários, a celebração da inovação inerente ao trabalho voluntário e sugestões para colaborações Europeias. Para ilustrar a contribuição dos Voluntários Europeus foi referido que se juntássemos todos os voluntários da Europa num país, esse sería o maior país da Europa. A referência da inovação pela procura de soluções criativas para lidar com os desafios das nossas sociedades, foi ilustrada com o exemplo da wikipedia, como o maior movimento voluntário mundial de partilha de conhecimento. Uma sugestão para lidar com os desafios do voluntariado na Europa, e como forma de elevar o voluntariado ao nível seguinte, centra-se na melhoria da vitalidade do voluntariado no futuro. O Centro Europeu de Voluntariado identificou os 5R’s essenciais à vitalidade do voluntariado: reconhecimento (melhores formas de reconhecer o valor e contribuição dos voluntariados), valor real (encontrar melhores maneiras de medir o capital social), regulação (necessidade de uma forma central de comunicar, discutir e trocar ideias sobre o voluntariado na Europa), recursos (melhores formas de investimento para o desenvolvimento do voluntariado no futuro) e refugiados (providenciar melhores formas de integração dos refugiados e de participação voluntária dos próprios refugiados). Esta sessão terminou com uma frase inspiradora de Marguaret Mead[5] “never doubt the capacity of a group of individuals to change the world” para ilustrar a força do voluntariado.
A conferência de forma clara, sucinta e dinâmica conseguiu esclarecer alguns pontos, por vezes ambíguos, assim como fazer um ponto da situação da importância, reconhecimento e significado do Voluntariado em Portugal e na Europa. Transmitiu uma noção de seriedade, de missão e de profissionalismo, partilhado por todos os intervenientes, e a crença de que o voluntariado é e será um dos caminhos possíveis para a resolução de alguns problemas específicos da sociedade.
As futuras capitais escolhidas, Londres em 2016 e Siglo em 2017, já foram anunciadas, a 4 de Dezembro, nos Paços do Conselho, na cerimónia de encerramento de Lisboa Capital Europeia do Voluntariado 2015[6].


[2] Video disponível no seguinte link, sob o título voluntariado: http://www.gulbenkian.pt/Institucional/pt/Fundacao/ProgramasGulbenkian/DesenvolvimentoHumano
[3] http://www.bcorporation.net/
[4] Resultante do “My Social Project”, informação do projecto: https://www.facebook.com/mysocialproject.org
[5] https://en.wikipedia.org/wiki/Margaret_Mead
[6] http://www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/lisboa-capital-europeia-do-voluntariado-2015-passa-testemunho-a-londres-e-sligo