sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Um Espelho, Mil Vontades

Do outro Lado do Espelho

Exposição / Museu Calouste Gulbenkian 

Curadoria de Maria Rosa Figueiredo com a colaboração de Leonor Nazaré 


O Espelho é um objecto bastante presente na história da humanidade já a alguns séculos. Este é um objecto banal, mas de certa forma intrigante, a uma primeira vista pode não parecer mais que uma fotografia com movimento, mas ele é muito mais para além disso. Não só imita a realidade como a pode distorcer, basta uma simples curvatura no espelho, que tudo o que está ali deixa de ser a realidade. Aqui vemos algumas abordagens, cinco para ser mais precisa, que podem ser feitas a partir deste objecto. Os artistas destas obras, dão-nos a conhecer várias perspectivas, ideias, mensagens e fantasias, provando ao espectador que existe um mundo para além daquilo que vemos. 
Do outro lado do espelho, trata-se de um confronto com a nossa ideia inocente do que é na realidade este objecto e o que ele tem representado ao longo dos séculos. Ao entrarmos nesta exposição percebemos logo o seu intuito: dar-nos a conhecer os diferentes conceitos, mas também nos desafiar enquanto espectadores, pois vamo-nos confrontando com o nosso reflexo ao longo da exposição, o que a torna um tanto ou quanto intrigante.

A primeira abordagem é o espelho na sua essência, cumprindo nada mais do que o seu propósito, “Quem sou eu?”: O Espelho Identitário - aquele que faz uma representação exímia da realidade, o espelho é tratado como algo que nos ajuda a ter uma imagem real sobre nós e a construir a imagem do que sou eu perante os outros. 
Neste primeiro espaço existem várias obras que nos mostram a simplicidade daquilo que é o nosso reflexo, e que nos fazem aproximar das obras, não só para nos vermos reflectidos mas também para nos aproximarmos do próprio sentido da obra. Aqui relato uma destas primeiras obras, um filme que Victor Kossakovsky fez sobre a primeira vez que o seu filho, de aproximadamente dois anos, se olhou no espelho. Um evento muito natural e banal no quotidiano de qualquer pessoa, mas não ali, ali foi um momento em que ele não entendeu logo, mas certamente se intrigou pois não tinha nunca visto quem era. De inicio estranhou achou ser outro alguém, tentou passar para o outro lado, bateu, mas logo se apercebeu de que não era uma outra criança que ali estava, notou que fazia tudo igual, até que ao fim de várias experiências com gestos e objectos se apercebe de que aquele corpo que ali está é o seu e aproxima-se, sorri, encosta a cara, dá beijinhos. É Interessante ver e perceber que ali, naquele momento, uma nova realidade surgiu para aquela criança, a partir dali esta ganha consciência do “eu”.

Svyato, Rússia, 2005- Filme, cor 33'06''
de Victor Kossakovsky

Passamos para uma outra visão, O Espelho Alegórico - este representa as ideias e vontades daquele que se olha ao espelho, a vaidade, a luxuria, o tempo, a beleza, a humildade, a tentação, etc. 
A representação destas ideias faz-se através da personificação. Aqui é a altura em que nos apercebemos de que, apesar do espaço reflectir a realidade como a vemos, na verdade só vemos aquilo que queremos e a cima de tudo, como queremos. É possível observar-se isso na imagem a baixo, temos uma mulher de uma classe social alta, muito arranjada, percebe-se pela maneira como está vestida e pelos objectos que a circundam. Esta está a apontar para o espelho com o seu reflexo, como se estivesse a fazer um convite, mas não um convite inocente, pois esse percebemos logo com o nome da obra ‘Alegoria do Amor Profano’, esta tem o peito bastante exposto enquanto aponta para o seu reflexo, esse convite surge quase como uma possível partilha do prazer que ela sente, face á sua juventude e beleza.

Rapariga com Espelho - Alegoria do Amor Profano, 1627
Óleo sobre tela
de Paulus Moreelse
E ja no outro lado da parede podemos observar uma terceira abordagem Mulheres ao Espelho: A Projecção do Desejo - um retrato unicamente feito sobre o sexo feminino, o efeito sedutor que o espelho tem sobre este e as vontades que nos transmite. 

Apercebemo-nos que não é uma coisa dos dias de hoje, este efeito, já vem desde que o reflexo existe, seja este em forma de espelho ou não. A mulher tem gosto por se observar mas não só por uma questão de necessidade. Eu sendo mulher, consigo partilhar dessa sedução, somos atraídas e levadas para um imaginário em que ficamos ali, nós e o espelho num cenário que só é visto por nós e consequentemente nos arranjamos, com o objectivo de traduzir aquela mulher que idealizámos na nossa cabeça. Como referi anteriormente, ao longo da exposição, vamos sendo confrontado com vários espelhos postos propositadamente para que nos vejamos. É interessante esta possibilidade de podermos experienciar e de certa forma confirmar que, as obras que estamos a observar e o que elas transmitem, é exatamente aquilo que sentimos ao olharmos no espelho - e aqui identifico-me, de todas as vezes que tive um espelho perto, olhei. Olhei só porque sim, porque me senti atraída, porque precisava de me ver, perceber se me estavam a ver como eu queria ser vista. Fez exatamente aquilo que relata em todas as obras expostas nesta secção. 
Aqui gostava de salientar uma obra, um video que é uma pequena compilação de filmagens de mulheres a verem-se ao espelho e as suas reacções, mulheres de todos os tipos, de várias épocas e idades, é interessante, que todas se fixam, seja porque razão for. Acredito que para qualquer mulher que vá a esta exposição, não precisa de ler ou ver uma obra para entender este ‘capitulo’, basta darem-nos um espelho para a mão, que logo percebemos o que significa. 
Mirrors of Bergman - Filme, 3'21
de Kogonada

Neste quarta parte passamos para o imaginário do artista, pode-se mesmo dizer, uma fantasia, esta denominada de Espelhos que Revelam e Espelhos que Mentem. 
Aqui os artistas mostram o espelho como uma espécie de mensageiro, como referi no início. Os espelhos podem transmitir muita coisa, uma mensagem, uma ideia ou até uma fantasia. É mais do que uma a obra que faz referência à Alice no País das Maravilhas, como aquela ideia de mistério, ingenuidade, de alguém que passou para o outro lado e encontra maravilhas, mas que nós aqui, deste lado, só imaginamos, não vemos. Na obra a baixo representada, vê-se uma mão a sair de um espelho - esta é a mão de Alice, ela está quase como a fazer um convite para a agarrarmos e irmos para o outro mundo. Nesta obra simples, o artista proporciona-nos um momento de fantasia, mas dá-nos total liberdade de a criarmos como queremos.
La Main d'Alice, 1983 - Óleo sobre tela
de Eduardo Luiz

Por último temos o olhar masculino - O Espelho Masculino: Autorretratos e Outras Experiências. Nesta abordagem podemos ver uma realidade bem diferente da das mulheres, aqui as obras reflectem experiências, enquanto as mulheres viam o que queriam ser, aqui os homens vêm e procuram saber o que podem fazer. 
Temos várias abordagens, desde brincadeiras com os espelhos côncavos e convexos misturados com autorretratos, a misturas de reflexos até a brincadeira com formas. Na obra a baixo representada, vemos um pequeno espelho pousado numa mão, espelho este que reflete o rosto do artista. Esta desproporção dá-nos uma dualidade de pensamento, por um lado dá a entender de que somos frágeis, quase como que a ideia da nossa existência pudesse ser esmagada ou acabada por aquela mão em segundos, por outro a ideia de que se ali estivermos aquela mão nos irá guardar, recordar, pois de repente, tudo o que somos ficou reduzido aquele pequeno tamanho. Aqui nenhum espelho serve ou serviu para satisfazer vaidades mas para experiências vários pontos de vista e abordagens.
Mão com Espelho, série O Ofício de Viver, 2010
Fotografia, impressão a jacto de tinta
de Daniel Blaufuks

É um desafio interessante a exposição, o facto de não se tratar de um autor único da-lhe um certo encanto, ela incorpora 69 obras de arte, desde o século XII até aos dias de hoje e mesmo assim conseguimos entender a linha de seguimento entre os autores mesmo que sejam obras de alturas e técnicas muito variadas.

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