Felicidade é, talvez, dos maiores e cobiçados fins da vida
humana. Tragicamente, esse conceito tão fugaz não cresce com a vontade que se
tem de a obter. A busca pelo prazer, conhecimento, reconhecimento, ou, até
mesmo um hamburger da nossa cadeia de fast food preferida, é uma procura pela
felicidade. No entanto, a felicidade é-nos perpetuamente elusiva, não se rege pela
ideia humana de que o esforço e o trabalho nos recompensam.
Ao tomarmos consciência deste paradoxo, cada um adopta a postura possível para desfazer esse nó feito de desencontros e contratempos sem fim. São as limitações que cada um impõe na sua procura pela felicidade que determinam a nossa reação, tal como a percepção individual da tal.
Ao tomarmos consciência deste paradoxo, cada um adopta a postura possível para desfazer esse nó feito de desencontros e contratempos sem fim. São as limitações que cada um impõe na sua procura pela felicidade que determinam a nossa reação, tal como a percepção individual da tal.
A 20 de
Outubro deste ano foi a vez de Wasted Rita ocupar a galeria Underdogs com a
exposição As Happy As Sad Can Be. Como o título indica, esta obra
debruça-se sobre a felicidade e tristeza de cada um de nós. Mais que isso, parece dizer-nos que é possível encontrar um certo conforto que também é felicidade, ainda que resida na tristeza. Um pensamento que se pode
afigurar como algo antagónico, ou, até paradoxal.
No vídeo de apresentação da exposição a artista revela-nos
que: “Obviamente vejo a vida de uma forma negra, mas de uma forma negra
divertida”. A negatividade da sua visão não é completamente
pessimista ou fatalista. Rita entende que a procura por felicidade pode ser uma
procura infrutífera, mas, mais importante que isso, percebe que é possível lidar com a
adversidade de uma forma optimista. No meio de posters, telas, tubos de néon e outros objetos, começamos a
perceber que este é um trabalho consciente de si; que se celebra e auto-critica as mesmas defesas que adopta para tolerar a infelicidade do ser humano.
"Aqueles que preferem os seus princípios à sua felicidade,” escrevia Albert Camus no final da sua vida, “recusam-se
a ser felizes fora das condições que parecem ter vinculado à sua felicidade".[1] Os nossos
princípios moldam-nos e guiam-nos. Quando nos definimos, definimos, por
arrasto, as nossas vidas. Se formos rígidos com a nossa individualidade, não é difícil vivermos uma vida repleta de rotina. No transe da
rotina e da produtividade baseada em princípios, acabamos por aparecer nas
nossas vidas diárias ausentes delas mesmas, reflete Maria Popova, escritora e
blogger búlgara.
De uma forma
ou de outra, Rita parece ter assimilado este pedaço de sabedoria. Entre
“Amigos, tacos, sexo oral, raparigas zangadas, Internet”, nem sempre são as
coisas boas que a salvam. Tanto é assim que nos diz que “há essa parte de eu não conseguir
tolerar a internet e ao mesmo tempo, precisar da internet para dizer às pessoas
que não tolero a internet.”
Os trabalhos expostos na Underdogs rompem “todos os temas,
tudo o que existe que te faz acordar e ter vontade de fazer coisas”, explica
Rita. “Não é mesmo necessário viver numa pressão para ser feliz”.
Camus sabia precisamente o que era capaz de aguçar o
espirito humano e nos devolver a substância da felicidade (em Love of Life,
um ensaio incluído na coleção Lyrical and Critical Essays ele debruça-se
extraordinariamente sobre este tema). Porém, tal como Rita, Camus também sabia que
a felicidade e o êxtase precisam do contacto com a aflição, o desespero e o
desânimo, para existirem:
“Lá estava todo o meu amor pela vida: uma paixão silenciosa pelo que
talvez me escapasse, uma amargura sob uma chama. Cada dia eu deixava este
claustro como um homem levantado de si mesmo, inscrito por um breve momento na
continuidade do mundo... Não há amor da vida sem desespero da
vida.” [2]
Aprender a encontrar e a aceitar a felicidade em todas as
formas sob a qual ela se pode apresentar, é um assunto sobre o
qual vários escritores, artistas e pensadores se têm vindo a debruçar ao longo
da História. Nunca é fácil abdicarmos das nossas expectativas, porém, elas são,
na realidade, um produto condicionado e que condiciona. A falecida poetisa
americana Jane Kenyon, deixou-nos Happiness, uma reflexão sobre como aprender a felicidade, recitado
aqui por Amanda Palmer:
Também neste trabalho a artista abraça
a tristeza de uma forma divertida, tornado-se num “cão que chafurda alegremente
numa poça de lama”. Será essa uma felicidade falsa? Ou será outra felicidade?
Para terminar esta meditação sobre a exposição de Wasted Rita, sinto que é importante
referir o papel do humor na obra da artista. Não é segredo que o humor
pode servir como mecanismo de defesa. Um indivíduo deprimido pode servir-se do
humor, do cinismo ou da ironia para atingir um nível de funcionalidade
socialmente aceite. Ter sentido de humor e gozar com circunstâncias infelizes é a forma mais fácil de nos focarmos no exterior e evitarmos a tristeza do Eu
interior. Em “Robin Williams and the Mask of Humor”[3] de Mikhail Lyubansky,
o professor de psicologia serve-se da trágica morte do actor para nos falar
sobre isso mesmo.
Sobre a ironia, o escritor e filósofo David Foster Wallace
diz-nos que:
“A ironia e o cinismo (…) são o que fizeram os primeiros pós-modernistas grandes artistas. A vantagem da ironia é que separa as coisas e eleva-se acima delas para que possamos ver as suas
falhas, hipocrisias e repetições. (…) O sarcasmo, a paródia, o absurdo
e a ironia são óptimas maneiras de tirar a máscara das coisas e mostrar a
realidade desagradável por trás delas.”
Porém, a
ironia é um instrumento de dois gumes. Ele continua:
“O problema é que, assim que as regras da arte são desmanteladas e, uma vez que as
realidades desagradáveis, os diagnósticos de
ironia são revelados e diagnosticados, então o que fazemos? A ironia é útil
para desmascarar ilusões, mas a maior parte das ilusões já foi desmascarada vezes sem conta. Parece que continuamos apenas a
ridicularizar as coisas. A ironia e o cinismo pós-moderno tornam-se um fim em si mesmo, uma medida de sofisticação e uma
experiência literária. Poucos artistas se atrevem a tentar falar de maneiras
de combater o que está errado, pois parecerão sentimentais e inocentes aos
olhos dos “ironistas". A ironia deixou de libertar e começou a
escravizar.”
Servindo-se do humor ou ironia, em As Happy As Sad Can Be,
Wasted Rita não esmorece e abre caminho em direção ao sentimento ou
sentimentalidade, transpondo assim o problema da ironia pós-moderna. Este é um trabalho de alguém que tem dúvidas sobre o mundo,
mas é também um trabalho sincero e íntimo. O espaço erguido na galeria
revela-se reconfortante, até acolhedor, pela maneira como nos recebe e
transforma o nosso ambiente. Mais importante que isso, creio que com esta
exposição a artista revela-nos que tem um coração e um desejo sincero por
conexão humana. Ela procura ultrapassar o problema de D. Foster Wallace. No
meio do desespero, encontramos uma vontade sincera de estreitar os relacionamentos
entre amigos, mulheres, pessoas. A artista não se desculpa por gostar das
coisas que gosta e assim, a obra ganha um tom anti niilístico; em vez de esbarrar
na ironia, atravessa-a. Tal como o nosso, o mundo de Rita é regido por uma grande
conectividade e isolamento e, no fundo, a artista procura (e convida-nos a procurar com ela) a luz da verdadeira
humanidade. Sentimental, inocente, patética.
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