domingo, 15 de janeiro de 2017

Serralves / Exposição "Joan Miró: Materialidade e Metamorfose"

     Após o 25 de Abril, várias pessoas manifestaram-se a favor da abertura ao público de um espaço, na cidade do Porto, onde pudesse ser exibida arte produzida por artistas do nosso tempo. Inicialmente existiu um Centro de Arte Contemporânea, mas com o envolvimento do Estado, foi adquirida a Quinta de Serralves e criada a Fundação Serralves. Esta Fundação é uma parceria totalmente inovadora entre o Estado Português e entidades públicas e privadas. Neste momento são 181 as individualidades, entre empresas e particulares, que gerem Serralves.
     Em 1991 foi entregue ao arquiteto Siza Vieira o projeto de construção do Museu, posteriormente inaugurado em 1999. Na atualidade, este espaço museológico é o mais importante Museu de Arte Contemporânea do país. Quem o visita pode encontrar obras que pertencem à coleção da Fundação, de artistas nacionais ou internacionais e até exposições itinerantes organizadas em colaboração com outras instituições congéneres. 
     Da Quinta de Serralves fazem ainda parte a Casa de Serralves (Figuras 1 e 2), utilizada em algumas exposições temporárias e o Parque de Serralves. Este último compreende uma quinta pedagógica, matas e jardins, onde é possível encontrar uma grande variedade de espécies autóctones, como o teixo, o azevinho ou a aveleira e exóticas, como as sequóias-gigantes, os cedros-do-Líbano ou as camélias. 



Figuras 1 e 2 - Casa de Serralves e parte do jardim
(Fotografias da minha autoria.)

     Nos jardins e matas existem percursos que o visitante pode fazer, assim como uma exposição permanente e temporárias. Quem explorar este espaço exterior até junho do presente ano encontrará a exposição Parque do Vento Opaco em Seis Dobras, da artista coreana Haegue Yang (Figuras 3 e 4). Além das espécies vegetais embutidas nas torres de tijolo, as esculturas incluem turbinas eólicas.  



Figuras 3 e 4 - Parque do Vento Opaco em Seis Dobras 
(Fotografias da minha autoria.)

     Nos últimos meses tem estado patente na Casa de Serralves a exposição Joan Miró: Materialidade e Metamorfose. As obras apresentadas pertencem ao Estado Português e revelam a carreira do pintor entre 1924 e 1981.
     A partir de 1924, Miró criou uma linguagem de signos absolutamente inovadora, sendo que um signo é um substituto de um objeto ou ideia. Na Figura 5 encontramos uma mulher com uma cabeça bem diferente do comum, feita de linhas curvas, distorcida; há uma subversão do que é considerado o retrato tradicional. Nos anos 30 viveu-se a Guerra Civil em Espanha e Miró procurou transmitir alguma dessa brutalidade e terror no seu trabalho, distorcendo a figura humana. 
     Após uma série de pinturas sobre masonite (um tipo de madeira industrial), nas quais utilizou tintas de óleo, alcatrão, seixos, entre outros materiais e revelou uma certa dose de violência, ao ponto de perfurar a superfície de algumas, criou Le chant des oiseaux à l'automne (Figura 6). A atenuação do período de terror surge com o lirismo da poesia, há uma profundidade física, mas ao mesmo tempo um desejo de evasão totalmente poético.


Figura 5 - Femme, 1935, Guache e tinta-da-china sobre papel.
(Fotografia da minha autoria.)


Figura 6 - Le chant des oiseaux à l'automne, 1937, Óleo sobre placa de espuma rígida (celotex).
(Fotografia da minha autoria.)

     Entre os anos 40 e 60, Miró produziu muitos trabalhos em que utilizou a tinta-da-china sobre papel e tinta-da-china em conjunto com a aguarela sobre tela (Figura 7). É um trabalho mais gráfico, derivado da sua atividade enquanto gravador. Entretanto, no início dos anos 70, em colaboração com Josep Royo, elaborou uma série de 33 composições denominadas Sobreteixims, tapeçarias originais em que colou materiais que encontrou e deu-lhes novas funcionalidades/identidades. Na Figura 8 surgem baldes, pedaços de tecido e fios colados no têxtil como se fossem tinta derramada e salpicada. O significante (ex. balde) ganha um novo significado (ex. tubo de tinta).
     No mesmo espaço em que produziu os Sobreteixims, Joan Miró queimou algumas telas, numa postura de destruição que era também de criação. O processo consistiu nos seguintes passos: em primeiro lugar as telas foram cortadas, depois foi adicionada a tinta e por fim a gasolina. O incêndio foi controlado com uma esfregona embebida em água e apenas queimou aquilo que o autor permitiu. Assim surgiram as cinco Toile Brulées, o que traduzido para português significa Telas Queimadas (Figura 9). Na Casa de Serralves a tela está pendurada do teto, de modo a que o visitante veja através das perfurações. 


Figura 7 - Sem título, 1950, Tinta-da-china sobre papel.
(Fotografia da minha autoria.)


Figura 8 - Sobreteixim 12, 1973.
(Fotografia da minha autoria.)


Figura 9 - Toile Brulée, 1973
(Fotografia da minha autoria.)

     Ir a Serralves é uma experiência cultural enriquecedora, há sempre uma grande diversidade de obras de arte contemporânea que podem ser fruídas pelo público, bem como a possibilidade de contatar com a natureza. E desengane-se quem pensa que este espaço é apenas para entendidos. Pais e filhos podem desfrutar aos fins de semana de oficinas que exploram todos os recantos da Quinta.

     Bibliografia
Serralves [Em Linha]. Fundação Serralves [Consult. 15 janeiro 2017]. Disponível em WWW: <URL: http://www.serralves.pt/pt/>
MESSERI, R. L. (2016) Joan Miró: Materialidade e Metamorfose. Porto: Fundação de Serralves. 

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