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Fotografia por Marta Delgado. |
Janeiro, o último repouso dos dias frios até findarem e dar-se o ressuscitar da primavera. O lugar é a cidade do Porto. Passeio pela Avenida da Boavista. Há qualquer coisa de diferente aqui, uma espécie de espontaneidade a pairar em tudo o que observo e que toca os meus sentidos. No restaurante, servem-me um prato de bacalhau com batatas fritas às rodelas e um copo de vinho verde. Um prato não, isso é em Lisboa! Uma travessa! Aqui come-se bem. As pessoas são amáveis e olham-nos nos olhos quando falam connosco. As casas de comércio e habitação, apresentam-se como um misto entre o velho e o novo, envolvidas por um certo mistério que comove com mais intensidade o turista, de certo.
De repente, uma espécie de pedra da calçada
bicuda e afiada na base, gigante e imponente, surge no meu caminho. Parece ter
sido enfiada com brusquidão no solo de que se apropria. Nela aparece esculpido
um nome, CASA DA MÚSICA.
As suas escadas elegantes, assemelham-se
à entrada de uma nave espacial, daquelas que vemos nos filmes. Tudo parece
bastante modernizado. Não criei grandes expetativas, a avaliar pelo grande
número de propostas culturais de vanguarda, presentes na contemporaneidade
portuguesa, que ao desejarem marcar a diferença, acabam por cair na banalidade.
Entrei e fui ter a uma espécie de
café/restaurante, onde tocava uma banda de Jazz. Esta primeira experiência
dentro do edifício foi algo de sublime. Sentei-me num dos lugares perto do
palco e ouvi um pouco do espetáculo. Enquanto bebia um café quente, entrava
pelos meus ouvidos um som tranquilo e sensual. Foi como uma espécie de terapia
para a alma, aliás, a música tem esse poder.
Entretanto, segui uma das guias que
acompanham os grupos em visitas guiadas. Começámos por explorar a Sala Suggia.
Segundo as palavras da guia, aqui, fazem-se todo o tipo de concertos musicais,
a sala está preparada para isso. Os seus elementos, permitem a acústica
necessária a todos os tipos de som. Em vários cantos, encontramos vidros
ondulados que fazem refletir o som. O espaço é enorme e apresenta diferentes
janelas de vidro, de onde se pode ver a cidade, assim como outros espaços do
edifício. Devido a estas janelas, toda a sala absorve luz natural, assim, a
música cresce iluminada. Os assentos das cadeiras da plateia, deslizam para
trás e para a frente, evitando o desconforto de nos termos que levantar se o
vizinho do lado quiser passar. Ao que parece, estas cadeiras são mesmo mágicas.
Quando os músicos ensaiam e não têm público, são elas que fingem sê-lo. Os
materiais de que são feitas permitem simular a presença de público em 75% dos
lugares existentes.
Parte das paredes está revestida por um
padrão dourado, de formas onduladas, homenageando a talha dourada portuguesa.
Outra parte é alumínio, um material frio, pouco utilizado neste tipo de
contextos, porém, este, ajuda a refletir a luz exterior para o interior. Toda a
composição acaba por ser harmónica, surpreendentemente estas combinações, à
partida incomuns, aparecem genialmente combinadas, transformando Suggia, numa
sala deslumbrante.
Suggia! Que raio de nome!... Pois é. A
sala foi batizada com este nome em homenagem à violoncelista natural do Porto,
Guilhermina Suggia.
Mas o pai da pedra gigantesca que visito,
Rem Koolhaas, não se ficou por aqui.
Avançamos agora para outro auditório,
desta vez, verifico que é bem mais pequeno. Nele, fazem-se na maioria dos casos
ensaios para os espetáculos. As paredes são vermelhas para estimular o
movimento e aqui, tudo se pode trocar de lugar, consoante a vontade dos
artistas. É uma espécie de construção de legos.
Damos mais uns passos e entramos numa
sala, conhecida por Sala VIP. Segundo a guia, é uma espécie de cartão de visita
da Casa da Música, onde se podem realizar reuniões e conferências para grupos
pequenos. As paredes estão cobertas com azulejos, mas o azul que os coloriu é o
típico azul do azulejo holandês. Foi assim que a Viúva Lamego quis deixar a sua
marca, reforçando uma característica importante do projeto da Casa, que passa
por homenagear as duas cidades capitais europeias da cultura em 2001, Lisboa e Roterdão.
Segue-se o Bar Suspenso. Sim, está mesmo
suspenso. Olho para o chão, é de vidro transparente, consigo ver o andar de
baixo e dá a sensação que a qualquer momento é lá que vamos parar. Um pesadelo
para quem sofre de vertigens, felizmente não é o caso. Mais uma vez, a parede é
de vidro e apresenta-nos outra vista para a cidade. Todavia, avisto um elemento
que perturba a paisagem que observo, um edifício da EDP construído ali mesmo à
frente. A guia explica que foi implementado após a edificação da Casa da
Música. Pobre Rem Koolhaas!
Continuamos a percorrer este espaço
enorme da Casa, de repente, qual não é o meu espanto, quando conforme o ritmo
do meu andar começa a tocar a “No Surprises” dos Radiohead. Ainda anteontem
tinha ouvido esta música, adoro-a. Comecei a dar passos mais rápidos e consoante
isto, surge outra música. Ok. Não é nada vindo do além, mas sim um sensor que faz
tocar diferentes músicas consoante os nossos movimentos.
Bem, e parece que a Casa da Música
também gosta de cores. Passei pela Sala Roxa, onde o teto é almofadado e as
paredes são feitas de borracha de pneus reciclada. Normalmente, costuma ser
palco para atividades com crianças. Apresenta uma janela de vidro com vista
para a sala Suggia, que possibilita aos mais novos escutarem a música que lá
está a tocar, enquanto vão participando em brincadeiras relacionadas com o que ouvem.
Ah! A sala é roxa para estimular a calma nos mais pequenos.
Há ainda a Sala Verde e a Sala Laranja, são mais salas destinadas a atividades, umas para os mais novos, outras para os
mais velhos.
A visita termina e eu fico triste. Por
mim, ficava aqui a sonhar mais um bocado. Neste sitio, não há razões para
aborrecimento. Aqui vive-se.
Nunca pensei gostar tanto de uma pedra gigante,
exteriormente tão sem graça, intimamente tão estonteante.
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