A apresentação da
performance mencionada aconteceu no Festival Temps d’Images de 2018. Esta
tratou-se de mais uma apresentação da série de performances associadas ao
projeto de investigação artística “www.”, de João Estevens. Nesta apresentação,
que começou com um dispositivo livre e de instalação, os espetadores assumiam a
condição de visitante e podiam circular livremente pelo espaço observando e
interagindo com o dispositivo existente. Este dispositivo baseava-se na
utilização de diferentes computadores, existindo várias projeções de vídeo e de
imagens, pesquisas na internet, audiobooks,
sessões de karaoke, etc. Com o passar do
tempo, os três performers começam a assumir a sua presença através da ativação
de diferentes elementos pertencentes ao dispositivo da instalação já existente
no espaço. Este momento, dá início a uma segunda parte da performance, onde o
visitante começa a tornar-se espetador e assiste às propostas de interação
entre performer-performer e performer-dispositivo. Nesta fase, é existente a
intenção de criar vários focos através da multiplicidade de projeções
existentes, obrigando o espetador a ter de escolher o que quer assistir, pois
era impossível acompanhar tudo. As interações existentes levam a que os
performers se vão aproximando no espaço, bem como a que as imagens se vão
centralizando e criando um foco único para o espetador. O último momento da
performance corresponde a uma à dobragem em tempo real de um vídeojogo
projetado em tela, afastada da zona onde se encontravam os performers, levando
o público a divergir o seu olhar dos performers para a imagem.
Esta descrição formal
da performance é importante para se chegar ao conteúdo, que aborda a forma como
o digital altera as nossas formas de interação e de comunicação, provocando uma
navegação sem direção na internet. A performance propõe a aceitação do tédio e
do tempo contemplativo, por oposição a uma construção que privilegie a eficácia
do objeto performativo. Esta performance propõe uma dramaturgia que transforma
a instalação, em performance e, posteriormente, em cinema, levando o
visitante-espetador a um estado de crescente alienação, ao mesmo tempo que despoleta
uma reflexão sobre a forma como consumimos imagens, agimos ou não agimos
perante as mesmas, e nos confrontamos com as (im)possibilidades da nossa
atuação individual e coletiva através das plataformas digitais que temos ao
nosso dispor. Num momento circunstancial, relativamente no início da
performance, um dos performers fala para a webcam, de costas para o público, e
divaga sobre o digital. Este texto, que só entendemos como manifesto após o fim
da performance, termina com uma questão que interrogava qual seria o futuro da
humanidade se não tomássemos consciência e controlo da presença dos paradigmas
digital e virtual nos tempos de hoje. Curiosidade, ou talvez não, é o final da
performance ser a dobragem de um videojogo intitulado “The Last of Us”, que
evidencia um cenário pós-apocalíptico, onde zombies ameaçam a continuidade da humanidade,
tal como a conhecemos. Esta analogia não é explícita, mas é fundamental para
que se compreenda a reflexão existente na obra, para além da sua aparente contemplação
sobre um estado da arte acerca da utilização da internet e de uma cultura da
chamada geração Y (millenials).
É uma performance
que se iniciou antes da hora, evitando a espera habitual do público para que uma
performance ou um espetáculo tenham início. Esta foi a forma encontrada para
não dar um início à performance, que se iniciou em tempos diferentes para
diferentes visitantes-espetadores. Também a duração total era incerta, pois
grande parte da performance recorria a improvisação, fazendo com que as ações e
os tempos das mesmas fossem obrigatoriamente incertos. É um trabalho que
desafia as lógicas preponderantes e a eficácia do processo de construção dos
objetos performativos pertencentes a disciplinas dominantes como o teatro e a
dança. É um trabalho que reativa a própria performance nos espaços
institucionais, mas que também traz contributos para se pensar o porquê da
ausência do género performance nas programações de várias instituições que
atuam no campo das artes performativas em Portugal. Uma última observação para
refletir sobre o cruzamento entre as artes visuais e as artes performativas.
Este é outro dos elementos centrais deste objeto, onde a imagem é sempre
protagonista, ainda que em constante mutação e muitas vezes em excesso de
informação. É através da utilização da imagem, e menos pelo discurso falado,
que os performers trabalham a forma como o excesso de informação cria situações
de ruído extremo e de incapacidade de percepção. Em suma, esta performance
reflete, tanto na forma como no conteúdo, sobre problemáticas atuais da arte
contemporânea. O uso da improvisação para a criação de ritmos performativos
autogeridos, a transformação do formato de instalação para espetáculo no
próprio evento performativo, e uma dramaturgia que surfa a internet recusando a
eficácia são características claras deste objeto, que trazem uma nova condição
de espetador e promovem novas linguagens visuais e performativas, ainda que
haja espaço para que estas se maturem mais em futuros trabalhos.
Sem comentários:
Enviar um comentário