quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

www.we want waffles #1, de João Estevens - Rabbit Hole



A apresentação da performance mencionada aconteceu no Festival Temps d’Images de 2018. Esta tratou-se de mais uma apresentação da série de performances associadas ao projeto de investigação artística “www.”, de João Estevens. Nesta apresentação, que começou com um dispositivo livre e de instalação, os espetadores assumiam a condição de visitante e podiam circular livremente pelo espaço observando e interagindo com o dispositivo existente. Este dispositivo baseava-se na utilização de diferentes computadores, existindo várias projeções de vídeo e de imagens, pesquisas na internet, audiobooks, sessões de karaoke, etc.  Com o passar do tempo, os três performers começam a assumir a sua presença através da ativação de diferentes elementos pertencentes ao dispositivo da instalação já existente no espaço. Este momento, dá início a uma segunda parte da performance, onde o visitante começa a tornar-se espetador e assiste às propostas de interação entre performer-performer e performer-dispositivo. Nesta fase, é existente a intenção de criar vários focos através da multiplicidade de projeções existentes, obrigando o espetador a ter de escolher o que quer assistir, pois era impossível acompanhar tudo. As interações existentes levam a que os performers se vão aproximando no espaço, bem como a que as imagens se vão centralizando e criando um foco único para o espetador. O último momento da performance corresponde a uma à dobragem em tempo real de um vídeojogo projetado em tela, afastada da zona onde se encontravam os performers, levando o público a divergir o seu olhar dos performers para a imagem.





Esta descrição formal da performance é importante para se chegar ao conteúdo, que aborda a forma como o digital altera as nossas formas de interação e de comunicação, provocando uma navegação sem direção na internet. A performance propõe a aceitação do tédio e do tempo contemplativo, por oposição a uma construção que privilegie a eficácia do objeto performativo. Esta performance propõe uma dramaturgia que transforma a instalação, em performance e, posteriormente, em cinema, levando o visitante-espetador a um estado de crescente alienação, ao mesmo tempo que despoleta uma reflexão sobre a forma como consumimos imagens, agimos ou não agimos perante as mesmas, e nos confrontamos com as (im)possibilidades da nossa atuação individual e coletiva através das plataformas digitais que temos ao nosso dispor. Num momento circunstancial, relativamente no início da performance, um dos performers fala para a webcam, de costas para o público, e divaga sobre o digital. Este texto, que só entendemos como manifesto após o fim da performance, termina com uma questão que interrogava qual seria o futuro da humanidade se não tomássemos consciência e controlo da presença dos paradigmas digital e virtual nos tempos de hoje. Curiosidade, ou talvez não, é o final da performance ser a dobragem de um videojogo intitulado “The Last of Us”, que evidencia um cenário pós-apocalíptico, onde zombies ameaçam a continuidade da humanidade, tal como a conhecemos. Esta analogia não é explícita, mas é fundamental para que se compreenda a reflexão existente na obra, para além da sua aparente contemplação sobre um estado da arte acerca da utilização da internet e de uma cultura da chamada geração Y (millenials).





É uma performance que se iniciou antes da hora, evitando a espera habitual do público para que uma performance ou um espetáculo tenham início. Esta foi a forma encontrada para não dar um início à performance, que se iniciou em tempos diferentes para diferentes visitantes-espetadores. Também a duração total era incerta, pois grande parte da performance recorria a improvisação, fazendo com que as ações e os tempos das mesmas fossem obrigatoriamente incertos. É um trabalho que desafia as lógicas preponderantes e a eficácia do processo de construção dos objetos performativos pertencentes a disciplinas dominantes como o teatro e a dança. É um trabalho que reativa a própria performance nos espaços institucionais, mas que também traz contributos para se pensar o porquê da ausência do género performance nas programações de várias instituições que atuam no campo das artes performativas em Portugal. Uma última observação para refletir sobre o cruzamento entre as artes visuais e as artes performativas. Este é outro dos elementos centrais deste objeto, onde a imagem é sempre protagonista, ainda que em constante mutação e muitas vezes em excesso de informação. É através da utilização da imagem, e menos pelo discurso falado, que os performers trabalham a forma como o excesso de informação cria situações de ruído extremo e de incapacidade de percepção. Em suma, esta performance reflete, tanto na forma como no conteúdo, sobre problemáticas atuais da arte contemporânea. O uso da improvisação para a criação de ritmos performativos autogeridos, a transformação do formato de instalação para espetáculo no próprio evento performativo, e uma dramaturgia que surfa a internet recusando a eficácia são características claras deste objeto, que trazem uma nova condição de espetador e promovem novas linguagens visuais e performativas, ainda que haja espaço para que estas se maturem mais em futuros trabalhos.

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